Se damos por adquirido que conhecemos os cães como a palma das nossas mãos – ainda que, na realidade, esse conhecimento esteja longe de estar completo – o mesmo não podemos dizer dos gatos.

Não obstante a popularidade que têm vindo a ganhar, os gatos são animais que estão rodeados de um certo misticismo e obscuridade que, apesar de toda a informação disponível nos dias que correm, ainda são alvos de estigmatização. Os preconceitos criados à volta deste animal foram inclusivamente propagados por nós e pela facilidade que temos em aderir, sem qualquer tipo de lógica que o suporte, a superstições.

Muitas vezes adjetivados de falsos, traiçoeiros e egocêntricos, a verdade é que estas características são apenas atribuíveis a seres humanos. Ao fazê-lo, estamos a extrapolar atributos humanos a seres de outras espécies, o que, desde o ponto de vista científico, está totalmente errado, podendo conduzir a mal-entendidos e potenciais conflitos.

Venerados no Antigo Egito, estima-se que os nossos amigos felinos tenham sido domesticados entre 9000 e 12000 anos atrás. Mais tardia do que a dos caninos, teoriza-se que a sua domesticação se deu quando os seres humanos adotaram uma forma de vida sedentária e deram início à base primordial da civilização moderna: a agricultura. Com os excedentes de alimento produzido que caracterizaram esta nova era, surgiram também novos obstáculos que a humanidade teve de enfrentar, nomeadamente pragas e a aparição de novas doenças. Terá sido precisamente no controlo de roedores que os gatos se revelaram, pela primeira vez, extremamente úteis aos nossos olhos. Deu-se assim o primeiro passo para uma relação simbiótica entre duas espécies totalmente diferentes.

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Durante todo este processo de convivência e adaptação, os gatos mantiveram o seu espírito independente, preservando até aos dias de hoje essa característica. Na sua larga maioria, são seres com uma menor predisposição para a socialização do que os cães, sendo de carácter mais solitário, valorizando a sua autonomia e capacidade de explorar o mundo por si mesmos.

É neste ponto que, muitas vezes, o ser humano falha. Apesar de serem animais de estimação, o seu comportamento em nada se assemelha ao nosso ou até mesmo ao dos cães. Este último é, com frequência, assumido pelas pessoas, esperando animais expressivos, dóceis e moldáveis à nossa vontade – um equívoco em toda a escala que enviesa a imagem que temos dos gatos.

São vários os exemplos que demonstram claramente a interpretação incorreta que fazemos da informação que o gato está a transmitir.

Quando um gato se roça nas nossas pernas, não é sinal de que queira (ou que esteja recetivo) ser acariciado, trata-se sim de uma forma de marcação de território. Da mesma maneira, quando os vemos de barriga para cima, interpretamos muitas vezes como um convite para lhes fazermos festas, mas o que significa realmente é que, naquele momento, se sentem confortáveis e relaxados. Interromper esse momento prazeroso poderá tornar-se num desagradável episódio de arranhões e mordidas. Tudo isto não significa que sejam animais que não apreciam a nossa companhia ou que não sejam afetuosos. Significa que, geralmente, preferem um tipo diferente de interação connosco, no tempo e com a frequência em que se sentem mais confortáveis. Outro caso clarividente de leitura incorreta, e que é amplamente divulgada nos mais diversos meios, é a de que um gato que ronrona é um gato feliz ou que se encontra num estado emocional positivo. Mas está longe de ser uma verdade incontestável, podendo estar subjacente um sinal de desconforto e até mesmo de dor.

Para além destes lapsos na interpretação, que em nada contribuem para fortalecer o binómio humano-gato, existe também uma quantidade avultada de preconceitos que continuam a pairar entorno a estes felinos. O mais famoso é, provavelmente, o mito de que os gatos pretos simbolizam um mau prenúncio, o que não podia estar mais longe da verdade. Este mito remonta à Idade Média, época em que o desconhecimento geral, as superstições e as crenças em seres maléficos pululavam. Igualmente, é comum dizer-se que os gatos possuem sete vidas, que não são treináveis ou até mesmo que são antissociais. Todos eles incorretos e cientificamente refutáveis.

Os gatos não são traiçoeiros, egoístas ou até mesmo maldosos. São animais subtis, independentes e imensamente incompreendidos. Através das ferramentas de conhecimento que temos hoje ao nosso dispor, devemos aprofundar a nossa compreensão sobre esta espécie e assim harmonizar a convivência com este fascinante animal que é o gato.