Se gerir através de KPIs (indicadores de desempenho) pode ser contraproducente, que alternativas restam aos gestores? Qual a essência da boa gestão? Em vez de uma definição, fica aqui um exemplo retirado de uma antiga crónica japonesa:

“Em tempos já passados floresceu em Edo um homem por nome Kinokuniya Bunzaemon [紀伊国屋文左衛門, 1669—1734], que era como que príncipe entre os mercadores. Certo dia veio ter com ele Seihachi, um dos seus empregados, e disse-lhe: ‘Mestre, condescendei a este humilde vosso servo a vossa honorável face e o vosso paciente ouvido. Acontece que, infelizmente, travei conhecimento com um certo Chobei, e não há vilão mais miserável que ele em todo o Edo! Durante toda a passada lua, nunca cessou de me importunar para que eu ponha o seu mísero nome frente à vossa proba consideração. Aguentei-o até hoje com longanimidade e compreensão, mas ele com vil constância, espera-me emboscado, nas minhas entradas e saídas. A minha vida tornou-se insuportável. Rogo-vos, senhor, que me dês uma mensagem para entregar a esta moléstia de bípede a fim de terminar de vez com a sua impertinência.’

“Perguntou o plutocrata: ‘Quem é? E que tipo de pessoa é?’

“O outro replicou: ‘É um parasita ocioso e vadio e ainda excêntrico em complemento. É um imprestável e trapalhão que, nunca tendo ganho um rin na sua inútil vida, se considera com direito a todos os luxos. Há muitos desta laia neste mundo, como bem sabeis, mas este é um caso especialmente extremo e vicioso na sua classe. É um filho segundo de uma família samurai e o mais preguiçoso dos cães desta freguesia.’

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“Inquiriu Bunzaemon: ‘E o que quer ele de mim?’

“Proferiu o Seihachi: ‘Ele deseja ser tomado ao vosso considerado serviço.’

“Perguntou o mercador: ‘De que modo se propõe ele servir-me?’

“‘Não sei,’ respondeu o empregado. ‘Tudo o que me disse foi o seguinte: «Se o teu grande homem me assalariar, ótimo; os seus lucros serão acrescidos. Se o não fizer, então é um idiota, e será melhor para mim não estar com ele, uma vez que ninguém deseja ter um idiota por patrão. Não temas perder algo pelo teu esforço neste negócio; pois se ele não tiver juízo suficiente para me contratar, o seu patronato não te trará nada de bom, e será melhor para ti que o deixes quanto antes.» Assim me falou ele, na sua intolerável arrogância e insuportável impudicícia.’

Bunzaemon ponderou a resposta cuidadosamente, e depois ordenou: ‘Traz-me cá esse Chobei para que eu possa conversar com ele.’

“Então o empregado, embora contrariado, foi buscar Chobei. Quando chegaram à mansão do grande comerciante, dirigiu-se para a porta das traseiras, mas Chobei recusou-se dizendo: ‘Náa! Acaso sou eu seu serviçal?’

“Exclamou o outro: ‘Vamos! Deixai que as boas maneiras vos guiem! Deixai-vos de ares, a menos que queirais que ambos sejamos postos na rua e eu fique desgraçado.’

“Mas Chobei não lhe ligou mais que a uma pevide e dirigindo-se para a porta principal golpeou vigorosamente a portada don-don, com o punho, gritando a saudação habitual gomenkudasai[“está alguém!?”] enquanto o contrariado acompanhante lhe agarrava a manga exclamando sem efeito dissuasor: ‘Ó tolo! Ó ignorante das praxes e convenções! Ó cheio de vazio na caixa craniana!’

“Sucedeu que Bunzaemon, ouvindo lá dentro a altercação dos dois do lado de fora, se apressou, ele mesmo, a fazer deslizar a porta. Oferecendo-lhes saudações cordiais, pediu ao par que entrasse para uma das mais nobres salas-de-visitas da sua mansão, onde ele próprio os fez sentar distribuindo os zabuton[almofadas quadrangulares e espalmadas usadas para se sentar no chão]. Acontece que, enquanto se empurravam na rua frente à entrada, lama tinha salpicado os seus fatos, de modo que o homem de Bunzaemon sentia-se tanto mais incomodado quanto mais imaculadamente limpos via estavam os tatami da sala. Chobei, no entanto, sentou-se despreocupadamente e sorrindo fitava o seu anfitrião diretamente nos olhos, como se de igual para igual.

“Bunzaemon abriu a boca e disse: ‘Transmitiram-me que desejais entrar ao meu serviço. Sabeis computar com o ábaco?’

“‘Não,’ replicou Chobei, ‘nasci e fui educado como um samurai.’

“‘A espada,’ comentou Bunzaemon, ‘tem o seu valor, mas não serve para muito em negócios comerciais. Sabeis usar alguma outra cousa?’

“Respondeu o visitante: ‘Sim, fui ensinado a usar os miolos.’

“Quando ouviu esta resposta, Seihachi ficou apoplético ao visionar interiormente como os dois seriam imediatamente expulsos da casa. Mas esta réplica fez cócegas no espírito de Bunzaemon, que retorquiu: ‘Ótimo! Os ireis usar comigo. Te tomo ao meu serviço.’

“Imediatamente Chobei levantou-se e, recuando três passos, prostrou-se com a testa no chão, na posição de um inferior face ao seu mestre. Ao ver isto Bunzaemon ficou satisfeito, dizendo para consigo: ‘Não me equivoquei. Antes de o contratar ele tinha todos os direitos de um convidado, e sendo samurai por nascimento, não me era inferior. No entanto, agora que me tornei seu patrão, saúda-me como seu senhor. Quem percebe e guarda estas distinções tem sabedoria.’

“Depois tirou da manga uma bolsa com moedas de prata e confiou-a a Chobei dizendo: ‘Aqui tens capital para exercitares o teu cérebro. Deixa-me ver como o empregas.’

“Chobei, de joelhos, pegou na bolsa e levantando-a respeitosamente à sua testa, prestou homenagem, com toda a cerimónia, e partiu sem ninguém saber para onde. Não regressou para a refeição do meio-dia, nem sequer para a da noite, nem para as dos dias seguintes.

“Seihachi presenciou este diálogo mudo de estupefação. Quando o novo empregado saiu, recuperou a fala a custo, para balbuciar: ‘Ó mestre em argúcia mercantil inexcedível, e em inconcussa virtude inultrapassável, iluminai a minha pobre mente! Será possível que o tenhas contratado realmente, ou simplesmente lhe pregaste uma partida para o ensinar a ter bom senso e boas maneiras? Nunca tinha ocorrido ao mísero espírito deste teu servo que alguém se poderia comportar arrogantemente e sem civilidade em casa de pessoa da vossa estação e logo ser contratado.’

“Explicou Bunzaemon: ‘Lá poder, podes. No entanto, se te comportares assim pode acontecer que sejas detestado em vez de contratado.’

“A ausência de Chobei durou durante muitos, muitos dias, de modo que a fúria dos homens de Bunzaemon foi crescendo e crescendo. Um dia apresentaram-se em corpo frente ao seu patrono, e o cabecilha, o mesmo que, aborrecido, o apresentara, disse: ‘Ó liberal dispensador de bondades! Estamos por vós angustiados, vendo a vossa benevolência a atuar ao mesmo tempo que a vossa bolsa é espremida por um arrogante malandro. Todos nós conhecemos os maus hábitos de Chobei e o seu desprezo pelo honesto e árduo trabalho e como costuma dissipar toda a moeda que lhe cai nas mãos com as mulheres de má vida no Yoshiwara. Está agora, sem dúvida, a gastar as tuas boas moedas no seu vício.”

“Bunzaemon, no entanto, olhando-os com afeto, respondeu: ‘O dinheiro que entreguei a Chobei não é meu? E se decidi dar-lho, que tendes vós que ver com isso?’

“E acrescentou: ‘Quando se planeia o crescimento de um negócio têm de se ter muitos assistentes de valor: Minamoto no Yoshitsune [源義経, 1159—1189] tinha quatro cuidadosos ajudantes de campo e Takeda Shingen [武田信玄, 1521—1573] comandou vinte e oito generais. É para eles que eu olho como modelos. Desde tempos imemoriais todo o homem que se distinguiu se fez rodear de apoiantes de valor e os mercadores têm de proceder de modo idêntico. Tão certo como o dia se segue à noite o êxito visitará aquele que consegue empregar bem muitas boas cabeças. Esperemos e vejamos como este Chobei mostra o seu valor.’

“Com estas palavras despediu-os e eles regressaram aos seus labores resmungando baixinho.

“Na noite seguinte Chobei regressou com ar cansado e abatido à mansão de Bunzaemon para dormir. Os seus companheiros não deixaram que ele conciliasse o sono facilmente, troçando e dizendo: ‘O que te sucedeu? A tua querida pôs-te fora? Ou já não tens mais prata?’

“Mas ele não lhes respondeu, e na manhã seguinte foi ter com Bunzaemon e pediu-lhe quantia igual à inicial. Este deu-lhe uma segunda bolsa, tendo-se abstido de o questionar, nem Chobei se voluntariou a dar explicações. Chobei voltou a partir e desapareceu outra vez por alguns dias. Quando regressou foi para pedir um segundo reforço. E assim continuaram os dois pelo período de uma lua, um pedindo e o outro dando, enquanto Seihachi e os outros, na sua preocupação, voltaram a tentar alertar o mestre, mas sem efeito visível.

“Finalmente Chobei regressou de uma ausência mais longa que a usual e pediu uma audiência a Bunzaemon. Quando lhe foi concedida e se apresentou à sua frente, depois de prestar a devida homenagem, disse: ‘Ó mestre, quando me tomaste para o vosso honorável serviço despendi alguns dias examinando as vossas atividades e familiarizando-me com as vossas várias empresas para determinar em que vos podia servir com mais e melhor efeito. Tendo esta investigação terminado agora, vos dignai permitir que ponha à frente do vosso maduro julgamento as minhas humildes conclusões.’

“À pergunta de Bunzaemon: ‘Quais são elas?’

“Chobei respondeu: ‘A maior das vossas empresas está na madeira, que vós importais do feudo de Kii, e, consequentemente, foi a este negócio que eu dediquei o meu humilde estudo. Esta grande cidade xogunal é flagelada regularmente por fogos, após cada um dos quais surge uma grandíssima procura de madeira para substituir os edifícios que foram queimados, e o seu preço duplica várias vezes enquanto o diabo esfrega um olho. Seria assim de grande ganho armazenar aqui grandes quantidades dela. Mas, se for armazenada em terra, a sua destruição é assegurada por esses mesmos incêndios; e se for armazenada na água, quer na ribeira marinha quer no estuário do Sumida-gawa, apodrece e é consumida pelos vermes. Assim procurei dentro dos limites desta grande cidade um local em que a qualidade da água fosse tal que não danificasse as fibras lenhosas dos toros aí guardados. Tal lugar acabei finalmente de o encontrar, em Kiba, na freguesia de Fukagawa. Existe aí um paul alimentado por uma fonte escondida de onde flui uma água onde os vermes não conseguem viver e onde a madeira nela imersa fica mais dura e lustrosa. É assim meu conselho que construais um reservatório nesta área e que lá acumuleis madeiro em previsão das necessidades futuras.’

“Ao ouvir isto Bunzaemon deu uma palmada de surpresa e admiração e disse: ‘Que ideia fantástica! Confiava que estivesses a planear algo, mas nunca cruzou o meu espírito que todo este tempo procurasses um local para o depósito da minha madeira. Eu próprio já tinha pousado a minha atenção neste assunto, mas com todos os meus afazeres e responsabilidades, ainda não tinha tido oportunidade para encontrar uma solução.’

“Depois, mandando chamar o seu mordomo-mor ordenou-lhe que fornecesse a Chobei os fundos necessários para a compra da terra e para a construção das estruturas necessárias para o depósito. Assim Chobei comprou dez mil tsubo[um tsubo  corresponde a cerca de 3,3 metros quadrados] de pântano ao pé do templo Susaki pelo preço de uma chávena de latão. Dragou e ali construiu um grande reservatório. Depois enviou homens a todas as regiões montanhosas vizinhas para comprar árvores, transformá-las em toros e com cem parelhas de bois arrastá-los até Edo. Pouco depois Bunzaemon fez Chobei chefe de todos os seus homens, o segundo em autoridade após ele próprio.”

Reza a história que, devido a esta ideia, a fortuna da casa Kinokuniya se multiplicou.

O que faz um grande gestor? Não é, certamente, o controlo dos KPIs.