As Presidenciais estão agora na sua volta zero: nomes são testados em sondagens em busca de dois dígitos — sem vírgula no meio — que lhes possam dar força mediática. De todos os nomes, menos de metade vão sobreviver até à primeira volta, que ao contrário da maioria das eleições anteriores será fortemente condicionada pela perspetiva de uma segunda volta. A desforra eleitoral só aconteceu uma vez na história da democracia, em 1986, quando o país se dividiu entre esquerda e direita. Neste caso, ninguém sabe se a polarização será entre um anti-sistémico moderado e a direita moderada, entre um anti-sistémico moderado e a esquerda moderada ou entre um anti-sistémico moderado e um anti-sistémico de direita populista.

À partida, Henrique Gouveia e Melo está bem posicionado para passar à segunda volta, já que tem liderado de forma consistente muitas sondagens. É um caso sério. A fragmentação das escolhas em candidatos oriundos da mesma área política, e até do mesmo partido, favorece o Almirante quer nas sondagens, quer na primeira volta. As sondagens são boas, mas não perfeitas. Gouveia e Melo ainda não conseguiu melhor que 23,2%, o que sugere que terá muitas dificuldades a vencer à primeira volta.

Outra coisa que se tem revelado fundamental em presidenciais anteriores é o apoio dos partidos que, quando é formal e público, não é decisivo, mas é um bom esteroide eleitoral. Com tanta candidatura à direita, ter o apoio formal, por exemplo, do PSD pode ser importante para passar à frente do Almirante. A título de exemplo — tendo por base, a última sondagem da Intercampus — se Passos ou Mendes não se candidatassem e o outro absorvesse a percentagem do outro (13,9% mais 9,8%), só isso seria suficiente para passar a votação do Almirante. O que ainda se tornaria mais confortável se se juntassem os resultados de dois ex-líderes do PSD em competição na mesma sondagem (3,2% de Durão Barroso e 1,3% de Santana Lopes).

A comparação é simplista porque, naturalmente, os votos em Passos Coelho (que já se retirou da corrida dezenas de vezes) não migrariam diretamente para Mendes. Mas uma coisa é certa: o modelo de sondagem não favorece, neste momento, os candidatos que possam vir a ter o apoio dos partidos. E o mesmo é válido para Centeno, Seguro e Ana Gomes, que, juntos, na mesma sondagem não passam dos 16,2%.

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Se o Almirante não passar de um terço dos votos à primeira volta, mas ficar perto desse valor, vai transformar a primeira volta numa espécie de primárias entre todos os outros candidatos. Com uma nuance: alcançar o segundo lugar na primeira volta — seja com um resultado mais pífio ou mais fulgurante — pode significar ganhar Belém à segunda volta.

O candidato apoiado pelo PSD (o mais provável continua a ser Marques Mendes) e o candidato apoiado pelo PS (Mário Centeno parece continuar na pole position) são os favoritos (caso tenham mesmo esse apoio das direções do centrão) para ir à segunda volta contra o Amirante, mas se outros candidatos da mesma área (como Santana ou António José Seguro) dividirem o eleitorado, André Ventura (caso seja ele próprio o candidato) pode chegar à segunda volta.

Portugal pode então assistir na segunda volta um fenómeno parecido com o que aconteceu em França sempre que os Le Pen (pai e filha) passaram à segunda volta: não conta a taxa de aprovação, mas a taxa de rejeição do candidato. E, aí, o melhor candidato que Gouveia e Melo podia enfrentar para ter sucesso, seria Ventura. Mesmo com parte da direita a recair em Ventura, a direita moderada e a esquerda juntas não teriam dificuldades em tapar a cara do Almirante e colocar a cruzinha no quadrado ao lado. Ainda assim, só ir à segunda volta já seria uma vitória retumbante para Ventura, o que torna uma candidatura presidencial mais apetecível para o líder do Chega. Candidatos próprios de BE, PCP, IL e até Livre significam uma fragmentação tal que torna legítimo Ventura sonhar com o segundo lugar à primeira volta, mesmo que não dispute eleitorado com três destes quatro partidos.

Em sentido inverso, se Gouveia e Melo passar à segunda volta contra o candidato do PSD ou do PS, os partidos que deixarem os candidatos cair na primeira volta devem unir-se em torno do candidato mais partidário. E, aí, a polarização seria mais negativa para o candidato militar e anti-sistémico.

Apesar de tudo, longe de estarem resolvidas, o Almirante está a conseguir que as presidenciais girem à sua volta. Comparado — praticamente em causa própria (na revista da Armada) a Dom João II — Gouveia e Melo sugere nas declarações públicas que, tal como o rei em que se inspira, tem como características uma imunidade à influência externa e o desprezo pela intriga. Ou seja: alguém que despreza a intriga  política. Por outro lado, a forma como tem gerido o processo mostra dotes de político profissional e um sentido de oportunidade até superior a muitos dos seus potenciais concorrentes.

A grande dúvida é se continua a lideradar quando chegar o seu tratado de Tordesilhas (o original foi assinado por Dom João II) e o mundo for forçosamente dividido em dois na segunda volta das presidenciais. Aí é que se perceberá se, tal como aconteceu a Dom João II (que pouco usufruiu da divisão do mundo em dois), há o risco de ser outro a usufruir da bifurcação da escolha ou se ficará com o proveito.