Quando há 15 anos o governo português da altura, antepassado directo do governo actual, decidiu solenemente anunciar a reforma do sistema de pensões, optou por uma solução que vinha ao arrepio do que estava a ser feito por esse mundo fora. O que na altura foi uma solução eminentemente lusitana, era o contrário do defendido por todos os especialistas da matéria e por inúmeras organizações internacionais, como por exemplo a OCDE e o FMI. De facto, nas últimas décadas, os países que ainda mantinham a herança de um modelo público de pensões pagas em regime de repartição, ou seja, num modelo em que o Estado retira dinheiro aos trabalhadores para pagar aos reformados, assumiram como óbvio que essa era uma formula esgotada e que era necessário reformar o sistema.
O racional das reformas em curso nos últimos 30 anos dos sistemas de pensões era matemático: numa sociedade em envelhecimento, é impossível manter o nível de protecção da velhice, a cargo da parte da população que vai decrescendo. O número cada vez menor de contribuintes não pode proteger o número cada vez maior de reformados. Era obrigatório corrigir o modelo e introduzir um reforço de poupança individual, a cargo dos próprios, para ao longo da sua vida activa e em regime de acumulação, complementar a sua protecção na reforma. O mecanismo público tradicional de repartição estava condenado a não poder continuar a garantir a função que historicamente lhe cabia. No jargão utilizado, era necessário passar de um sistema puro de repartição, para um sistema com uma componente cada vez mais expressiva de acumulação. Elementar meu caro Watson.
Mas na altura o governo antepassado directo do que nos governa agora, declarou, com a certeza que apenas a ideologia e a fé permite, que cabendo ao Estado proteger os cidadãos, o modelo de acumulação era um pecado que era necessário expurgar. Salvar a Segurança Social, disse-se então, passava por manter as cotizações dos activos exclusivamente para pagamento das pensões.
Quando na altura o Governo afirmou que garantia a sustentabilidade do sistema de pensões, mantendo nos trabalhadores activos a função única de pagar as reformas do cada vez maior numero de pensionistas, a maioria da classe política e dos media, aceitaram essa mentira como boa. No geral, a população também parece ter aceitado.
Quando hoje, o Governo, herdeiro directo do governo que supostamente reformou o sistema de pensões, conclui que afinal vai ter que mudar a formula de cálculo (embora mantendo o modelo), diminuindo ainda mais as pensões futuras e assim tentar garantir a sustentabilidade do sistema, o que pensam afinal (incluindo os media) todos os que na altura acreditaram que o problema restava resolvido?
O que pensam hoje os votantes, que vêm de dar maioria absoluta a gestores que vivem satisfeitos afirmando que como o modelo já não garante, não há outro remédio senão aceitar o fado?
Tudo bem?