As medidas apresentadas por António Costa para cativar os jovens portugueses e convencê-los a ficarem em Portugal – que incluem 4 bilhetes na CP, estadia numa pousada da juventude, devolução do valor das propinas e um cheque-livro – foram criticadas com a costumeira parolice nacional. Só a estreiteza de vistas, típica duma oposição mesquinha que apenas sabe dizer mal, para não perceber o ambicioso objectivo do nosso Primeiro-Ministro.

É óbvio, para quem tem algum conhecimento de história, que António Costa pretende recriar, no século XXI, a Grand Tour que, no século XVIII, a aristocracia da Europa civilizada realizava ao atingir a maioridade. Tratava-se de uma longa viagem, principalmente por Itália, em que o jovem fidalgo era apresentado à arte, cultura e sociedade italianas, terminando assim a sua educação. Ao fim de um ou dois anos, regressava a casa, já homem formado.

A única diferença é que Costa, em vez de um circuito europeu, patrocina um périplo por Portugal. De resto, está lá tudo: a educação em viagem, o crescimento interior, o desenvolvimento pessoal e a oportunidade de visitar as ruínas de uma civilização outrora grandiosa na sua fase decadente. Como se passa em Portugal, em vez de Grand Tour chama-se Grand Tourtour.

Imagino que, neste início de ano lectivo, o tema domine as entusiasmadas conversas dos alunos no recreio, durante os furos por falta de professores. Todos estão desejosos de terminar a escolaridade obrigatória e poderem estar um tempo a viajar. Uma espécie de ano sabático, mas em bera. Um ano sabásico.

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A iniciativa é meritória, não há como negar. Tenho dúvida é que a melhor forma de convencer os jovens a ficarem em Portugal seja mostrar-lhes Portugal. Ainda por cima através da CP.

Vejamos um exemplo inventado agora mesmo para provar a minha teoria. Anabela é uma rapariga de 18 anos. Terminou o 12º ano e resolveu ir do Cacém, onde mora, até à Covilhã, para passar uns dias na Pousada da Juventude da Serra da Estrela e ver neve pela primeira vez. Munida do seu Rotas e Percursos da Serra, adquirido com o cheque-livro do Governo, dirige-se a pé para a estação, pois apesar de ter o passe gratuito, não há autocarros perto de casa. Na estação, apanha o comboio à 3ª tentativa, uma vez que os dois primeiros vêm a abarrotar desde Mem Martins. Depois, fica 5 horas ao sol na Estação do Oriente, por causa de uma greve dos maquinistas. Ou de revisores, não tem bem a certeza. Quando finalmente embarca no comboio para o Entroncamento, só chega à Azambuja, porque a automotora pifa e não há peças para substituir. Acaba por não ser mau de todo, sempre aproveita para comer qualquer coisa e fazer xixi, já que não havia restaurante no comboio e a casa de banho estava fora de serviço. Ao fim do dia, quando consegue voltar a casa, apetece-lhe retribuir pelo menos um bilhete a alguém do Governo. À noite, Anabela recebe uma chamada da Pousada da Juventude a avisar que perdeu o lugar na camarata, mas que o beliche vai ser cobrado por inteiro. Gastou assim os bilhetes e a estadia para nada. Anabela percebe então que, se mora na Linha de Sintra e quer ver neve na vida, é mais fácil emigrar para a Suíça.

É fácil criticar as medidas do Governo, mas o que percebo eu dos desejos dos jovens? Tenho quase 50 anos. Se não sei o que se oferece a um puto quando faz 18 anos, muito menos consigo adivinhar o que se dá para que não emigre. Sei lá o que é que os miúdos de agora querem para a vida. Nem eu, nem António Costa. Por isso é que estas propostas vêm da JS. A organização juvenil do Partido Socialista está pejada de jovens que conhecem os desejos dos seus congéneres. Se dizem que um recém-licenciado é atraído por 700 euros por ano durante 3 anos, quem sou eu para duvidar?

É possível que tenham razão. No primeiro ano, o jovem usa os 700 euros para conseguir pagar um mês de renda do T1 nos subúrbios. No segundo, os 700 euros servem para um seguro de saúde que colmate, durante um ano, a falta de médico de família e as falhas do SNS. No último ano, os 700 euros vão dar para duas mensalidades na creche, que a gratuita ainda não existe. Depois de três anos a viver como um nababo, é natural que o jovem hesite e já não tenha vontade de abandonar esta vida faustosa para emigrar. Deve ser isso.

Se Costa só está disposto a investir 2100 euros para fixar um recém-licenciado ao país, é mais útil gastá-los em Supercola 3 e colar o jovem ao asfalto.