Há quase dois anos atrás escrevi uma longa crónica, aqui, onde analisava as condições em que a direita poderia emergir, no quadro de uma Geringonça e de um certo enfraquecimento dos partidos tradicionais, o PSD e o CDS. Como referia à época, o definhamento eleitoral da direita nas eleições não é porém causa, mas consequência de uma complexa dificuldade de afirmação cultural, com raízes profundas, e que merecem reflexão. Sem me repetir, mas repetindo algumas das mensagens que escrevi, nesse texto, faz-me sentido recuperar a reflexão feita, num momento em que o PSD ganha nova liderança, e o PS marca com a sua hegemonia o espaço político do centro, onde se ganham as eleições.
Parte do cenário que descrevi, em 2020, mantem-se idêntico. Outra parte reconfigurou-se. As lutas fratricidas que se travaram no PSD e no CDS tiveram finais distintos. O CDS perdeu representação parlamentar, e tem um caminho difícil – embora não impossível – rumo a uma certa recuperação. Já no PSD, a maioria absoluta do PS conduziu a uma saída sem honra nem glória de Rui Rio e a uma vitória de Luís Montenegro, a quem cabe agora a dupla e espinhosa missão de pacificar um partido habitualmente acantonado e recuperar a credibilidade perdida junto do eleitorado.
Acresce que PSD e CDS partilham, hoje, o espaço do centro e da direita com duas forças políticas emergentes, o Chega e a Iniciativa Liberal, que, por méritos próprios e deméritos alheios, conseguiram representações parlamentares expressivas nas últimas eleições. No seu conjunto, estes quatro partidos terão de perceber como vão exercer a sua função de representação e identificar quem são os segmentos da população que constituem a sua estrutura social. Terão, nesse campo, que combater a hegemonia de um Partido Socialista que, depois de ter obliterado os partidos à sua esquerda, tudo fará para dividir a direita e conseguir, com isso, manter o eleitorado do centro, aquele que lhe deu uma das mais improváveis maiorias absolutas da nossa democracia.
Como referi, grande parte do trabalho, à direita, passa por perceber como é que se consegue ser relevante num contexto simbólico e cultural dominado por matrizes cada vez menos conservadoras e liberais, no sentido clássico. O PS conseguiu consolidar-se num contexto onde parte da mensagem socialista clássica está caduca, assumindo um certo pragmatismo com consciência social e uma vaga adesão à tradição da esquerda. Aquilo que nos é dado ver pela maioria das democracias europeias mostra, porém, como António Costa foi capaz de, em completo contraciclo, ressuscitar um partido que poderia hoje estar moribundo, o que poderá acontecer aquando da sua saída, saibam os partidos de direita organizar-se, como vemos um pouco por toda a Europa. Numa direita de futuro, um discurso conservador poderá ter lugar e interesse, mas só se for capaz de se afastar de anacronismos saudosistas e tiques totalitários. O que existe, hoje, ao nível do Chega, torna inviável qualquer plataforma de entendimento entre os partidos à direita, servindo apenas os interesses do status quo socialista. Algo parecido se poderá dizer do discurso liberal da IL, que só terá utilidade se for capaz de sair das soluções preguiçosas que hoje nos são apresentadas, pensadas para um mundo de baby boomers nascido de Bretton Woods, e que é impraticável na maioria dos seus pressupostos no mundo como ele hoje é.
O papel fundamental, porém, cabe ao PSD. Terá de ser a partir de um PSD – como sempre aconteceu – a liderar a direita, a ser capaz de encontrar os caminhos da credibilidade para resolver os problemas concretos que preocupam uma larga maioria dos portugueses, que poderá construir-se uma alternativa à atual hegemonia do PS.
Cada uma das quatro forças políticas que hoje constituem a direita, nas suas diferenças, deve trabalhar para recuperar o capital social e a ligação aos eleitorados que esbanjou nos últimos anos, numa autofagia incompreensível. Identificando quem representam, e que soluções apresentam na construção do futuro. Repetindo-me, porque a mensagem ganha atualidade com a eleição de Luís Montenegro, a direita terá futuro, e ganhará espaço ao centro, na medida em que consiga reconstruir a sua mensagem e a sua linguagem, para ganhar significado e adesão de forma intuitiva e simbólica. Se souber escolher bandeiras relevantes e soluções bem pensadas, com bons protagonistas, e orientadas mais para os problemas das pessoas, e menos para as lutas fratricidas de fações rivais, pequenas partidarites ou fetiches ideológicos para agradar a lógicas tribais.
Portugal vive hoje desafios relevantes ao nível da reforma de um Estado envelhecido que tem nas oportunidades criadas por um mundo digital a porta de saída para a sua solvência e resolução de grande parte da despesa que, desnecessariamente, pesa sobre todos os portugueses. Só a partir de uma reforma do Estado, que faça mais com menos, será possível haver desagravamentos fiscais relevantes, essenciais para reabilitar uma classe média que empobreceu significativamente nos últimos vinte anos. Se Portugal não for atrativo para a classe média, dificilmente seremos atrativos para fixar, no nosso país, os mais válidos das novas gerações, que encontram com facilidade, noutras geografias, melhores condições para organizar as suas vidas e famílias. Sem novas classes médias, renovadas, não há famílias, não há tecido social nem capacidade para garantir a coesão e o suporte a uma população cada vez mais envelhecida e abandonada, e que precisa – e vai precisar cada vez mais – de assistencialismo e apoio.
Portugal tem todas as condições para ser um dos países mais atrativos do mundo. Haja capacidade para combater aquilo que nos trava: burocracia, impostos, inércia, clientelismo e corrupção. Veremos se há à direita quem seja capaz de libertar o potencial de Portugal.