A política é a arte de escolher entre o desagradável e o desastroso”, John Kenneth Galbraith

Desde a decisão do Presidente da República de marcar eleições legislativas para o dia 10 de Março de 2024 que uma certa corrente de opinião tem procurado pressionar uma coligação entre o PSD e da IL, não faltando quem escarneça os liberais por decidirem concorrer separadamente, apesar de não fecharem portas a uma coligação pós-eleitoral. A importância mediática que se está a dar a uma eventual coligação – medida pelo “buzz” causado por este tema obtido a partir da plataforma Buzzsumo – teve o seu ponto mais alto com a publicação na coluna do Miguel Pinheiro onde se assume, como linha principal de argumentação, que uma não coligação será o reflexo de uma doença infantil da direita e meio caminho andado para entregar a governação a Pedro Nuno Santos. Em sentido inverso, duas semanas antes André Azevedo Alves havia defendido, num texto denominado A miragem de uma coligação pré-eleitoral que uma coligação pré-eleitoral entre PSD e IL, em vez de limitar o crescimento do CH, acabaria por ter o efeito perverso, tendo tudo para potenciar o seu discurso anti-sistema.

A verdade é que o único estudo sério que foi feito para avaliar a utilidade de coligações à direita, divulgado em Julho deste ano, e que mereceu grande destaque no Observador, levado a cabo por dois centros de excelência da Universidade Católica Portuguesa, o Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos (CIEP-UCP) e o Centro da Sondagens (CESOP-UCP), revela (entre muitos outros aspetos interessantes) que uma coligação pré-eleitoral não necessariamente resulta numa maior atração de votos. O estudo sugere, ainda, uma volatilidade importante na decisão de voto, com uma parte significativa do eleitorado do PS a revelar que, nas últimas eleições, decidiu o seu voto nos últimos dias da campanha. A indiferença do eleitorado em relação à valia de uma coligação, associada a dinâmica eleitoral volátil ao centro, mostra que o que é fundamental, nesta campanha, é que PSD e IL se alinhem, sim, mas que se foquem cada um dos partidos nas suas próprias forças e mensagens, algo que – bem trabalhado, obviamente – terá potencial para ser mais eficaz do que uma coligação que nesta altura tem tudo para parecer desesperada, forçada e incoerente, sinalizando até uma fragilidade à direita totalmente desnecessária.

Mais do que a ideia em si, perfeitamente defensável, o que me surpreende na forma como o Miguel Pinheiro coloca o problema da coligação são os seus pressupostos, ou seja, a sensação que passa que PSD e IL estarão condenados a perder as eleições se não se coligarem, e que o eleitorado, esse, estará acefalamente capturado pelo PS ou forçado a votar sem alternativas. Não sei com que artes, mas o PS consegue passar na bolha mediática e das redes sociais a ideia de que o Poder lhes pertence, quase que de forma divina, e que o seu partido é imune, junto do eleitorado, a todas as desfaçatezes da sua governação. A realidade é que o eleitorado sempre penalizou o PS quando este abandonou a governação: aconteceu com Mário Soares, com Guterres e com Sócrates, havendo razões de sobra para acreditar que o mesmo ocorrerá na presente eleição. E se o PS conseguiu, na última eleição, ver o BE, o PCP e o PAN castigados nas urnas, por que razão não existe potencial para que o mesmo ocorra à direita, apesar do CH?

Em política, o que parece, é. Perante a recusa da IL e o aparente desinteresse do PSD (cujas lideranças até ao momento não deram o menor sinal no sentido de trabalhar coligações), a insistência mediática numa coligação pré-eleitoral serve apenas para entrincheirar a IL aos olhos do eleitorado e, paradoxalmente, acaba por enfraquecer o PSD, pois sugere, ainda que de uma forma provavelmente não propositada, uma incapacidade de Luís Montenegro vencer sozinho ou em coligação pós-eleitoral com os votos dos liberais. O desespero e ansiedade que tantas pessoas manifestam, hoje, é prejudicial, não só para a imagem do partido, mas também para a confiança dos seus eleitores.

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Face à volatilidade do voto ao centro, o PS só não será fortemente penalizado nas urnas, por mais competente que venha a ser a sua campanha, se o PSD não for capaz de transmitir confiança à franja do eleitorado que ofereceu a maioria absoluta a Costa. É claro para a maioria dos portugueses que os socialistas, por mais que se queixem da ação do Ministério Público e do Presidente da República, desbarataram uma maioria absoluta e toda uma estabilidade governativa que o eleitorado lhes confiou, e não vai ser fácil a Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro (sim, ainda vai haver eleições no PS e está por demonstrar que o líder está já ungido de vitória) explicar aos portugueses que, entre as diabrites recorrentes dos jovens turcos e dos “amigos” do PM, e os maços de notas em S. Bento, a responsabilidade política pela queda do governo não lhes é imputável. Por isso, grande parte da atenção do eleitorado volátil está hoje focada no PSD, e o ónus de provar responsabilidade e projetar confiança não está, nesta eleição, por mais manipulação mediática que exista, nas mãos dos socialistas.

A IL, por seu lado, tem nestas eleições a oportunidade de desfazer a imagem de um partido elitista e alienado dos problemas da generalidade dos portugueses, mostrando, durante a campanha, que possui potencial para alicerçar uma base popular significativa, junto das classes médias mais inconformadas e que aspiram a mobilidade social, do eleitorado mais jovem e de eleitores tradicionalmente desmobilizados. Ao contrário do que muitos sugerem, uma coligação artificial, nesta fase, com o PSD, teria o condão de erodir a base eleitoral que a IL conquistou a pulso, que até poderá aceitar uma coligação bem negociada com o PSD, mas que dificilmente aceitaria diluir o seu voto para assegurar uma alternância num centrão que desprezam.

Os próximos três meses, são, aliás, essenciais para sanar – e usando as palavras do Miguel Pinheiro – algumas “atitudes infantis” das anteriores lideranças do PSD e da IL, que fizeram com que estes dois partidos tivessem estado de costas viradas. Não dá para esquecer que o PSD de Rui Rio sempre demonizou os liberais e uma aproximação do PSD à direita; por outro lado, a IL deixou que a perceção mediática em relação às prioridades do partido associe os liberais apenas a bandeiras ideológicas irrealistas, identitárias ou de nicho. Rui Rocha tem agora a oportunidade, numa altura em que o foco mediático vai estar muito atento à IL, de ultrapassar a perceção geral – a meu ver errada – que o partido e os liberais vivem alienados dos problemas dos portugueses, sendo estruturas radicais e elitistas. Ora, a IL, com um líder com o perfil do Rui Rocha, tem nesta eleição uma grande oportunidade de mostrar, em campanha, que o partido tem potencial para assentar numa base muito mais popular do que se pensa, falando e mobilizando as classes médias mais inconformadas e com sentido reformista, o eleitorado mais jovem e habitualmente afastado das urnas.

Ao mesmo tempo que ambos os partidos fazem as pontes adequadas para assegurar que uma coligação pós-eleitoral possa funcionar, reforçando os elos de confiança que hoje não existem: não tanto entre si (Luís Montenegro e Rui Rocha parecem bem alinhados, sem necessidade de grande coordenação formal), mas sobretudo junto dos seus eleitores.

Uma coligação forçada, à data de hoje, apenas e só motivada por uma ideia de conquista de Poder, representaria uma falta de serenidade que necessariamente seria mal interpretada pelos eleitores, seja da IL, seja do eleitorado volátil de centro que decide as eleições. Pelo que a decisão de PSD e IL de concorrerem separadamente às eleições legislativas de 2024 não é apenas uma escolha de preservação da identidade de cada partido, uma mera birra ideológica, mas uma estratégia política astuta que respeita a inteligência do eleitorado e maximiza as chances de sucesso eleitoral. Esta abordagem, se bem trabalhada por ambos os partidos, com uma mobilização eficaz dos seus eleitores potenciais, pode muito bem ser a chave para uma mudança de paradigma no cenário político português, que bem precisa de recuperar um ímpeto reformista.