A 2 de Maio, segunda-feira, António Costa escrevia na sua conta oficial do Twitter: “A redução do ISP num valor equivalente à descida do IVA para 13% traduz-se, já esta segunda-feira, num desconto de 15,5 cêntimos na gasolina e de 14,2 cêntimos no gasóleo. Com esta redução do preço dos combustíveis, pretendemos mitigar as consequências da invasão russa da Ucrânia“. Para que não restassem dúvidas sobre a aplicação automática do desconto, António Costa avisava ainda: “A @AsaeGov vai estar atenta mas todos devemos olhar com atenção para a fatura, de modo a garantir que o desconto é mesmo aplicado.” Portanto na segunda-feira, António Costa acreditava e declarava que a redução do ISP se traduzia directamente no preço dos combustíveis. Não existiam outros factores de permeio. Apenas e tão só a má fé das gasolineiras impediria a aplicação automática do desconto. Olhar para a factura era a palavra de ordem.

Na quarta-feira, 4 de Maio, quando já era evidente que a redução no valor dos combustíveis não era a anunciada, António Costa faz novas declarações: “O primeiro-ministro reiterou, esta quarta-feira, que o Governo baixou a carga fiscal dos combustíveis em 20 cêntimos, como tinha anunciado. António Costa refere, aliás, que sem a redução do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), hoje os preços seriam 14 e 15 cêntimos mais caros, apesar de reconhecer que a fiscalidade é apenas uma da “componentes” que afeta os preços.” Portanto na quarta-feira o primeiro-ministro parecia procurar camuflar o primarismo das suas declarações de segunda: outras “componentes” do preço tinham levado a um aumento do preço dos combustíveis. Afinal não fora a ganância das gasolineiras que impedira os portugueses de pagar a gasolina 15,5 cêntimos mais barata mas sim a desvalorização do euro. Mas eis que chega sábado, 7 de Maio, e António Costa como se tivesse acabado de chegar ao país após uma longa ausência declara “Ao contrário do que muitas pessoas pensavam e disseram, o preço [dos combustíveis] não é só determinado pela tributação, o preço é, desde logo, determinado pelo valor da gasolina e do gasóleo no mercado internacional, o preço no mercado internacional não depende do controle do governo, disse António Costa.Até agora, não há evidencia nenhuma que as gasolineiras estejam a aumentar as margens à custa da redução dos impostos. O preço está a subir porque há subida de preço no mercado internacional”, sustentou.

Os seja a pessoa António Costa de sábado admoesta e trata como ignorante a pessoa António Costa de segunda porque, como bem explica a pessoa António Costa de sábado, o preço dos combustíveis “é, desde logo, determinado pelo valor da gasolina e do gasóleo no mercado internacional”. A pessoa António Costa de segunda nem queria acreditar no que ouvia: para começar, ela, pessoa António Costa de segunda tem andado num virote pois vê facturas atrás de facturas na incessante busca de uma prova da vigarice das gasolineiras. Um talãozinho, ao menos um, que prove que um posto do nefando líquido ficou com o desconto anunciado pelo António Costa da segunda-feira e corrigido pelo António Costa da quarta-feira. Depois quem é que ele António Costa de sábado se julga para vir dar lições sobre mercados internacionais e outras frioleiras do capitalismo? A pessoa António Costa das segundas-feiras quer pôr as gasolineiras em sentido e se ela, pessoa António Costa de segunda feira ou doutro dia qualquer, declara que o gasóleo desce 14,2 cêntimos é para descer mesmo que o tenhamos comprado mais caro.

Estavam as coisas neste ponto de conflito ideológico entre a pessoa António Costa de sábado com a pessoa António Costa de segunda, quando a pessoa António Costa de quarta veio lembrar que ela, a pessoa António Costa de quarta alertara, obviamente na quarta feira, que a fiscalidade é apenas uma da “componentes” que afecta os preços. Logo não percebe a pessoa António Costa de quarta a que título e a que propósito a pessoa António Costa de sábado resolveu destemperar com as pessoas António Costa de segunda e, por arrasto, também de quarta.

A pessoa António Costa de quarta e a de sábado enveredaram então por uma discussão sobre a composição e cálculo dos preços dos combustíveis que já metia ramas para cá e biocombustíveis para lá, quando a pessoa António Costa de segunda deu um murro na mesa e, de seguida, aproveitando o silêncio, perguntou: já posso deixar de olhar com atenção para a factura?

As pessoas António Costa de quarta e de sábado entreolharam-se. E fosse pelo que fosse as três pessoas António Costa resolveram cada uma delas de si para consigo que durante uns tempos iam contar até dez antes de falar.

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