O país surpreendeu-se e indignou-se na semana passada com a escolha de Rita Rato para a direcção do Museu do Aljube. Fez mal, porque a escolha dificilmente poderia ter sido mais coerente e útil. Primeiro, porque ratos a mandar naquilo foi o que não faltou na história do edifício enquanto prisão. Tendo sido um cárcere de presos políticos, a sua mera existência é execrável a todos os títulos para os amantes da democracia e da liberdade. Repito: para os amantes da democracia e da liberdade. É óbvio que isso exclui os comunistas. Aliás, para sermos fiéis ao nome do museu – Museu Resistência e Liberdade – o que aos comunistas sempre sobrou na primeira, faltou-lhes sempre no amor à segunda.

A este propósito deixem-me contar-vos uma história. O meu filho mais velho visitou o museu há dois anos, no âmbito de uma visita de estudo lá da escola. Tinha 14 anos. A guia que os acompanhou explicou que aquele sítio tinha sido uma prisão para presos políticos durante a ditadura. Facto. Disse-lhes também que a maioria dos homens que lá estiveram presos tinham tido associações ao partido comunista. Facto. A resistência heróica de tantos que lutaram contra a ditadura estava honrada. Depois disse-lhes que esses homens tinham tido um papel fulcral na fundação do regime democrático em Portugal. E foi aí que o varão se começou a sentir varado. Tinha ouvido cá por casa falar na Oriana Fallaci e na sua entrevista a Álvaro Cunhal, e também tinha ouvido falar no Soljenítsin e n’O Arquipélago Gulag – que a Rita Rato não conhece lá muito bem, nem nunca se interessou em conhecer melhor – e estranhou essa associação mais propagandística que factual de comunistas a regimes democráticos. Vai daí, perguntou respeitosamente à senhora se os comunistas não tinham tido a intenção de transformar Portugal numa ditadura marxista. Silêncio. A senhora não respondeu. Para não a embaraçar à frente dos outros visitantes – o jovem é um cavalheiro -, quando a apanhou sozinha insistiu e falou-lhe na URSS. Dessa vez a resposta foi que os comunistas portugueses não tinham nada a ver com os soviéticos… Fim de conversa. Mentiu, portanto.

Mas mentindo, contou uma outra história verdadeira e confirmou Rita Rato como uma escolha coerente e útil. Qual é a história verdadeira, pergunta o leitor? A do triste fado nacional tocado a dois tempos: a falsidade e as oportunidades perdidas.

Sobre a falsidade, considerar os comunistas defensores e fundadores da democracia e da liberdade, por causa da sua resistência no tempo da ditadura, é o mesmo que dizer que praticar desporto mata, por causa dos atletas que morrem em competição. Os eventos sucedem-se cronologicamente e relacionam-se temporalmente, mas nem as intenções nem a causalidade se confirmam; com excepção do que se passa na cabeça de mitómanos.

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Sobre as oportunidades perdidas, porque o Aljube tendo sido também uma prisão de presos políticos no tempo da I República, nem o site do Museu, nem o seu anterior director têm uma palavra a dizer. Aliás, o seu anterior director, numa produção do Bloco de Esquerda, enquanto falava da I República, passou tranquilamente ao lado desse facto. O Aljube – Museu Resistência e Liberdade é, portanto, tão factual como uma fotografia. Uma em particular. Aquela em que Trotsky foi removido por conveniência ideológica.

Quem, portanto, mais habilitado para conviver com e promover a mentira histórica do que Rita Rato, militante do Partido Comunista Português? Para esta nova Sociedade Nacional de Propaganda em que o Estado financiado com o dinheiro dos contribuintes se tornou, aquilo está muito bem entregue.

A nós, com esta informação toda, cabe-nos ajuizar e, enquanto tal é possível, ser consequente na hora de votar. E já agora, aproveitar para, homenageando-o, recordar as palavras de Miguel Torga, que enquanto preso precisamente no Aljube escreveu, “falta-lhe a Liberdade. Só essa dor lhe dói”.