Vinte e um mil milhões de euros. Eis o custo anual da corrupção em Portugal, considerando custos directos e indirectos, como perda de receita fiscal e diminuição de investimento estrangeiro. Isto, de acordo com uma estimativa de 2016 do Parlamento Europeu. Sim, leu bem: 21 mil milhões de euros. Considerando o PIB de 2019 – pouco mais de 212 mil milhões de euros – estamos a falar de 10% de toda a riqueza criada. Todos os anos. Para percebermos ainda melhor, o Orçamento do Estado para 2021 prevê aproximadamente a mesma verba para a Saúde, metade para a Educação e 14 vezes menos para a Justiça. Repito: 14 vezes menos para a Justiça. Pior: o custo da corrupção é aproximadamente igual à totalidade da despesa pública com pensões de velhice, sobrevivência, doença e invalidez: 21 mil milhões de euros. No fundo, é o mesmo que dizer que aquilo que o país perde com bandidos, é o mesmo que gasta com os seus pensionistas.

A corrupção é, portanto, um dos maiores ministérios do país; mas é também, seguramente, o seu maior mistério. Porquê?

Já aqui disse, que no índice de percepção da corrupção estamos abaixo de meio da tabela da zona euro, com uma pontuação (62) mais próxima do Burkina Faso (40) que da Finlândia (86), que ocupa o primeiro lugar da Zona Euro e o terceiro a nível mundial. A corrupção é o agente mais corrosivo da confiança dos cidadãos nas instituições e o principal motivo de erosão da democracia. Os casos mediáticos de corrupção na classe política, nos meandros do Estado e nas altas esferas do poder económico, em actividades com grande visibilidade como o futebol, e os flagrantes sinais de nepotismo e de favorecimento clientelar explicam a crescente desconfiança dos cidadãos relativamente às elites. Esta é uma das causas que explica a ascensão dos populismos. Outra, é a perda de credibilidade dos partidos.

Com este diagnóstico, que não é novo, o que é que os políticos e o Governo fizeram? Analisando a moção de estratégia que António Costa apresentou no último congresso do Partido Socialista – Agenda para a Década – e o programa do XXII Governo Constitucional, a palavra corrupção aparece 28 vezes. 28! Não é mau sinal. Ainda que despesa apareça 36; mas tratando-se de um governo socialista, condescendamos.

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Porém, há coincidências devastadoras. Vinte e oito é também o número de arguidos da Operação Marquês, cujo primeiro da lista é um cavalheiro que dá pelo nome de José Sócrates Pinto de Sousa, ex-primeiro-ministro do PS. Outra vez o Sócrates?, dirá o leitor mais impaciente. Não, há mais. Uma deputada, de seu nome Hortense, do PS, foi condenada a pagar mil euros por ter falsificado uma assinatura num processo de abuso de fundos comunitários. O seu marido, de seu nome Luís, também do PS, perdeu o mandato de presidente de Câmara por negócios com a família. Para além disso, parece que têm o toque de Midas, transformando em ouro próprio o que não é seu.  Disse toque de Midas? Desculpem, queria dizer toque de Penedos: “Umas das muitas dúvidas suscitadas pelo negócio dos terrenos comprados por Luís Correia e pela mulher, reside no facto de a administração da REN, então presidida por José Penedos – condenado por corrupção no processo Face Oculta – ter sido autorizado pelo Governo a seu pedido”. All goodfellas

Mas se pensam que nesta linha de combate à corrupção e de aumento da transparência, a coisa fica por aqui, é porque não conhecem o país. O PS propôs uma alteração ao Código do Contratos Públicos, subindo despropositadamente o limite máximo para ajustes directos. Quando o Presidente do Tribunal de Contas alertou para os riscos de corrupção que daí advêm, o PS substituiu-o. Na banca, esse outro mi(ni)stério pago pelos contribuintes, também o PS, ignorando ostensivamente a boa regra de independência, nomeou para o Banco de Portugal, sem período de nojo, o seu Ministro das Finanças; não vá surgir por aí mais algum sobressalto.

Onde importava proteger denunciantes, o Governo priorizou monitorizar discursos de ódio na internet; onde era necessário criar brigadas especializadas e independentes a trabalhar junto dos tribunais, o Governo substituiu a Procuradora-Geral de República; onde se exigia mais transparência no exercício e no recrutamento para funções públicas, o Governo cilindrou a CRESAP e colonizou o Estado com “gente sua”; onde era fundamental combater o nepotismo, o Governo chamou a famiglia; onde mais informação e mais fiscalização eram necessárias no escrutínio dos registos de interesses de altos cargos públicos, a assegurar pelo Tribunal Constitucional, o Governo lá criou mais uma comissão mas… protelou.

Dirão, ante a proclamada intenção do Governo de levar à prática uma Estratégia de Combate à Corrupção, que exagero e sou injusto. Talvez, como católico acredito na redenção. Porém, como português, nesta matéria acredito mais no Barão de Montesquieu: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda a parte.” E, olhando para a síntese, muito parcimoniosa aliás, que fiz anteriormente, é caso para dizer que é estultícia esperar resultados diferentes com os mesmos protagonistas.

Seria bom que a direita, e já agora a esquerda responsável, se ainda houver por aí, tornasse este tema – que é sério e complexo – numa bandeira de desígnio nacional, com propostas com qualidade técnica, sentido de responsabilidade e evitando a judicialização da política. Que juntasse ao que referi anteriormente, o combate aos megaprocessos – via verde para a intempestividade e ilibação de culpados –, regulamentação e aplicação rigorosa e transparente dos mecanismos de lóbi, uma avaliação profunda de recursos técnicos e humanos da Justiça, garantisse independência e mecanismos de checks and balances que funcionassem, programas consequentes e garantísticos de protecção de denunciantes, etc.. Outra opção, pode ser deixar – como fogo em palha seca em dia de canícula – que a suspeição atinja todos.