Ainda estão com medo das alterações climáticas? Continuam a recear uma guerra nuclear? A probabilidade de outra pandemia inquieta-vos? Desculpem, mas estão desactualizados. Tudo isso são terrores fora de moda. Chegou um novo pavor: chama-se Inteligência Artificial. Ainda não tem uma Greta, ainda não pôs miúdos a colarem-se às molduras nos museus, mas já faz circular cartas com muitas assinaturas de gente que se acha a si própria importante. Sim, esqueçam Godzilla e o “bug do ano 2000”: é a Inteligência Artificial que, afinal, vai exterminar a humanidade, arrasar o planeta, e fechar o café da esquina.
Que dizer deste novo susto? Primeiro, que continuamos apocalípticos. Em tudo vemos o fim do mundo. Segundo, que como na proverbial morte de Mark Twain, é provável que haja aqui algum exagero, o que não seria novidade nestes pânicos científicos (lembram-se da ovelha clonada?). Não, não estou a dizer que a Inteligência Artificial não é uma coisa notável. Também deve ter riscos, como tudo. Não vou discutir isso. Aliás, não vou sequer discutir a Inteligência Artificial, que deixo aos milhares de “especialistas” que todos os dias se esforçam por tornar o assunto um pouco mais desinteressante. O que gostaria de discutir é outra coisa: as razões que nos dão para tremermos e rangermos os dentes.
Essas razões resumem-se a uma palavra: substituição. Eis o que proclamam os púlpitos do terror: a Inteligência Artificial tornará os seres humanos dispensáveis, para finalmente os erradicar. Posto assim, é um medo antigo. Dois exemplos do cinema: em 2001: Odisseia no Espaço, de 1968, o computador tenta liquidar a tripulação da nave; em Blade Runner, de 1982, é preciso um teste complicado para reconhecer os androides, que até fazem poesia com “lágrimas na chuva”. Ou seja, há bastante tempo que andamos a ser amestrados para ter medo de um dia nos vermos substituídos por máquinas.
Podíamos ir até aos autómatos do século XVIII, mas fiquemos por aqui. Há muitas coisas para dizer, mas direi apenas duas. Primeiro, seria altamente civilizado adoptar o princípio de que ninguém deve perder um minuto da sua vida a fazer o que pode ser feito por uma máquina, seja trabalho físico ou intelectual. As máquinas vão deixar os seres humanos desempregados, agora que já fazem diagnósticos, resumos, e pastiches? Não, vão libertá-los para outras coisas, como libertaram muita gente das ceifas no campo ou das linhas de montagem nas fábricas, sempre no meio de pânicos como o actual acerca da redundância humana. O fim do mundo já aconteceu muitas vezes.
Segundo, que mais do que a Inteligência Artificial e os seus riscos, devia-nos preocupar o que está por detrás do medo da Inteligência Artificial: a degradação da ideia do que é um ser humano, causada pelo humanismo materialista. Ao rejeitar a ideia bíblica de que o ser humano foi criado por Deus à sua imagem e semelhança, o humanismo materialista eliminou o temor a Deus, mas também a ideia de que a humanidade é algo único e especial. Por um lado, diz-nos que o ser humano é tão poderoso que pode criar máquinas inteligentes; por outro lado, admite que o ser humano é tão pouca coisa, que uma máquina criada por ele o pode tornar supérfluo. No tempo em que os seres humanos supunham que Deus os concebera à sua imagem e semelhança, talvez não tivessem tanto receio de máquinas construídas por eles próprios, porque a origem divina valorizava a humanidade acima de qualquer artefacto. Adaptando a citação de Chesterton, digamos que quando o ser humano deixou de ter medo de Deus, passou a ter medo de tudo e mais alguma coisa.