Quem me vê hoje, de pé, a fazer as compras para a casa no supermercado, não advinha que há “apenas” 13 anos estive entre a vida e a morte, a um triz de fazer crescer a estatística dos portugueses falecidos vítimas de AVC (a principal causa de morte e invalidez no nosso país).

A dor de cabeça intensa afinal não era apenas (mais uma) crise de enxaqueca. Naquela tarde de 26 de junho de 2011, a falta de força ao lavar as mãos era um dos vários indícios de que o meu cérebro estava a fazer um curto-circuito… As lembranças vêm-me à memória em flashes e, se por um lado, faço por esquecer, por outro, importa relembrar, para com o meu exemplo poder ajudar outros a detetarem os sinais do AVC atempadamente.

Eu pensava que era uma doença que só afetava pessoas mais velhas. Tinha 34 anos quando sofri o AVC. No meu caso, mais especificamente, uma trombose venosa cerebral.

Recordo-me de estar deitada na cama do hospital sem mexer braços ou pernas, totalmente dependente para tudo e de só conseguir ver (com dificuldade) com o olho direito. Lembro-me de perguntar ao meu marido se estava algo de errado com o meu rosto (fiquei com um desvio na face após o AVC), ao que ele carinhosamente respondeu: “Continuas linda para mim”. O Célio fez por manter o espelho afastado de mim, por não querer que eu algum dia me recordasse assim.

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Quando, ao final de quase um mês, recebi a visita dos nossos filhos, na altura com 9 e 7 anos, a Madalena também exclamou: “Estás linda, mãe! Tantas saudades”. A cadeira de rodas não lhe causou confusão. A minha falta de mobilidade também não. Aos olhos dela, se não via sangue nem ligaduras, então eu estava bem! Para o David isso não bastava… Afinal, ele estava em casa com o pai quando eu caí redonda no chão após a primeira convulsão. Ele despediu-se de mim a chorar quando fui levada pelos bombeiros, a gritar: “Não quero morrer!”. Ainda hoje não conseguimos falar abertamente sobre o que se passou. Dói. Assusta! Preferimos falar sobre as muitas coisas boas que aconteceram a seguir a essa má.

Antes do AVC eu era jornalista. Orgulhosamente editora na “revista cor-de-rosa” líder de vendas em Portugal. Estupidamente dedicada a um trabalho que me roubava muitas noites em família, mas que me fazia sentir realizada. Certo dia, a Madalena disse-me: “Se não fosse a tua doença, continuavas a estar mais tempo no trabalho do que em casa! Eu prefiro assim, mamã”. E eu, apesar de tudo, sinceramente também…

Encontrei um novo propósito para a minha vida profissional, hoje sou patient advocate pelos sobreviventes de AVC e as suas famílias, em Portugal e além-fronteiras. Descobri a verdadeira felicidade em coisas “tão simples” como preparar uma refeição para a minha família. Ter um lado do meu corpo paralisado não faz de mim menos capaz! Para a Maria, “a filha do AVC” como eu carinhosamente a apelido, “a mãe é a Supermulher! Consegue fazer tudo só com uma mão!”. Aos olhos dela, eu não sou diferente das outras mães. Independentemente da dor que a espasticidade (dificuldade de controlo muscular) me causa ou da falta de coordenação motora que o meu lado esquerdo apresenta.

Esta minha “segunda vida”, aquela que o AVC me deu, trouxe-me uma terceira gravidez, não planeada, mas muito amada e desejada. Nunca a expressão “estado de graça” fez tanto sentido para mim! Arrisco dizer que foi por causa disso que fiz as pazes comigo e consegui (dois anos após o AVC) fazer o luto daquilo que nos aconteceu. Porque não fui só eu que sofri um AVC. Não estive sozinha nessa luta pela reabilitação. O meu marido, os nossos filhos, quem nos quer bem, estiveram sempre lá, nos bons e nos maus momentos.

Viver depois de um AVC tem sido uma aprendizagem constante, não só a nível físico como também emocional. Ninguém nos ensina como fazer, mas parece-me que não nos temos saído nada mal.

Diana Wong Ramos, 47 anos, é licenciada em Ciências da Comunicação. Patient advocate na área das doenças cérebro-cardiovasculares, faz parte do grupo de coordenadores nacionais para a divulgação e implementação do Plano de Ação para o AVC na Europa 2018-2030. Teve um AVC, em junho de 2011.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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