Até ao dia 26 de junho de 2011, data que – estranha coincidência – marcou o nosso 12º aniversário de casamento, eu e a Diana éramos um casal com uma vida profissionalmente ativa, já tínhamos dois filhos e o nosso dia a dia era bastante agitado. Contribuíamos para as estatísticas nacionais como mais um casal jovem, saudável e a pagar impostos.

No dia anterior, a Diana teve necessidade de se deitar no nosso quarto, às escuras, com queixas de uma forte enxaqueca. Sem aviso prévio, e sem que estivéssemos preparados para tal situação, sofreu uma primeira convulsão e caiu inanimada no hall de entrada da nossa casa. Minutos antes falava comigo, assustada, pois sentia a perda de força nos braços, apresentava movimentos descoordenados e um discurso confuso. Tentava levar a mão à cara e não conseguia.

A mãe dos meus filhos, a minha melhor amiga, estava deitada no chão do corredor, com espasmos assustadores e a enrolar a língua. A minha reação foi espontânea e, felizmente, não entrei em pânico. Mantive a calma necessária para agir. Eu e o nosso filho mais velho conseguimos, em equipa, lidar com a situação (o David tinha nove anos à data, a Madalena tinha sete). Ele agiu como um verdadeiro herói: esteve ao meu lado, assistiu assustado ao episódio da mãe estendida no chão, mas escutava atentamente as minhas instruções.

Contactei o 112, sem sucesso, pois do outro lado da linha não acreditaram que a Diana – na altura com 34 anos –  estaria a sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Sem demoras, optei por contactar os bombeiros da nossa área de residência. Chegados à triagem no Hospital Amadora-Sintra, após um “suposto ataque de ansiedade” identificado pelos bombeiros – que, mais tarde, admitiram o erro – seguiram-se mais duas convulsões que se assemelhavam a ataques de epilepsia. Jamais esquecerei as imagens do sofrimento da Diana, a tentar manter-se viva com todas as forças que tinha.

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Durante longas horas, estive em suspense, pois não tinha nenhuma resposta… Pedia ajuda aos profissionais de saúde que estavam no Serviço de Observação sobre um parecer médico, pois apercebi-me desde logo da gravidade do quadro clínico da Diana. Tive de me agarrar à fé para não esmorecer perante o discurso do médico dos Cuidados Intensivos do hospital, que me disse: “A sua mulher só mexe o olho direito e o prognóstico para os próximos dias é muito reservado… Ainda não sabemos o que realmente se passou com ela”.

Foram momentos de grande incerteza, de revolta e tristeza, que tiveram de ser transformados em coragem e firmeza. Todos os passos tinham de ser dados a pensar no que seria melhor para a nossa família. Dois dias antes, éramos muito felizes, muito unidos, sonhadores e práticos. Mas, a partir do dia em que a Diana teve um AVC, todos os elementos da família passaram a estar forçosamente separados.

A Diana era uma jovem mãe, ambiciosa, dedicada e responsável, com um futuro promissor no jornalismo. Recentemente, tinha mudado de funções na revista onde trabalhava e abraçado um novo desafio. O seu percurso profissional estava em crescimento. Mas, naquele momento, estava internada, deitada numa cama de hospital, sem que ninguém soubesse se sobreviveria…

As incertezas do momento carregavam pensamentos sobre o presente e o futuro. Os nossos projetos tinham ficado em suspenso e só a evolução do estado de saúde da Diana seria verdadeiramente relevante para conseguir definir o que fazer em seguida.

Após 24 horas, a Diana foi transferida para o Hospital de São José, em Lisboa, onde seria submetida a uma angiografia [exame radiográfico aos vasos sanguíneos]. Nesta altura, já vinha com um diagnóstico. Tinha sofrido uma Trombose Venosa Cerebral [um tipo menos comum e mais raro de AVC] e a veia central estava bloqueada por um coágulo. Como consequência, sofreu uma hemorragia severa no cérebro, com sequelas em todo o corpo, que a colocaram em risco de vida. Por isso teria de ser submetida a uma operação com urgência.

Em paralelo, começava o meu percurso a tratar de todas as exigências burocráticas e a dividir-me em tarefas relacionadas com a doença e com a baixa médica, pois a Diana teria de estar um longo período sem trabalhar. Além de marido e cuidador, tinha de apoiar os nossos dois filhos, e dar resposta a contactos constantes de pessoas próximas que queriam perceber o que tinha ocorrido.

Contei com a preciosa ajuda de familiares e amigos, mas a estrutura familiar ficou momentaneamente interrompida e a rotina habitual completamente alterada. Em simultâneo, tive de fazer a minha própria gestão profissional.

A Diana permaneceu internada na Unidade Cerebrovascular do Hospital de São José durante dez dias. Estive sempre ao seu lado. Acreditava que toda a energia positiva que conseguisse transmitir-lhe contribuiria para a sua recuperação. A equipa médica concordava com essa atitude e defendia que os resultados positivos eram evidentes e que o apoio da família seria essencial também nas etapas seguintes.

Os progressos diários eram visíveis. Posso dar alguns exemplos: o facto de conseguir movimentar o dedo indicador do lado direito, algo que não fazia no dia anterior; a intensidade das dores de cabeça, que diminuía dia após dia; a evolução do estado emocional, entre outros indicadores. Cada avanço significava uma nova esperança na sua recuperação.

Sentia que a Diana estava em boas mãos, entregue a profissionais competentes, que desempenhavam o seu trabalho com o máximo profissionalismo, mas também com amor à causa. Criei laços com algumas pessoas, que permanecem até hoje.

Após a fase crítica, quando a vida de Diana já não estava em perigo iminente, embora ainda estivesse muito debilitada, era preciso ultrapassar uma nova etapa. Regressou ao Hospital Amadora-Sintra e o objetivo agora era iniciar a reabilitação o mais rapidamente possível. A Diana necessitava de recuperar a nível físico e motor, mas também a nível psicológico.

Já tinham passado algumas semanas quando, numa manhã auspiciosa, recebi a notícia tão aguardada por parte da equipa de neurologia que estava a acompanhar a minha mulher: a Diana iria ao Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, para uma consulta de admissão que viria a ditar o seu internamento.

Quando deixei a Diana naquele local, com todas as condições ideais para a sua reabilitação, senti que a primeira fase estava concluída. Mas só agora começara o longo processo de recuperação que, por sua vez, seria para toda a vida. Nesta fase já conseguia ser “transferida” da cama para uma cadeira de rodas, tinha recuperado alguns movimentos e, finalmente, podia receber a tão aguardada visita dos filhos.

Muito mudou na nossa vida desde o dia em que a Diana teve um AVC, há 13 anos. Tudo foi adaptado e reorganizado, a minha vida profissional foi ajustada, passámos pela forte exigência a nível financeiro e na organização da vida escolar e social dos nossos filhos. Entretanto nasceu a Maria, três anos depois. Para trás ficam as memórias de todo este duro processo, que acabou por tornar a Diana numa verdadeira ativista pelas melhores condições de outros doentes — é uma das co-fundadoras da Portugal AVC.

No próximo dia 26 de junho de 2024 completa-se o 13º aniversário desde o AVC da Diana e iremos celebrar o nosso 25º aniversário de casamento. Já temos a viagem para os Açores marcada, para a tão esperada comemoração em família.

Ainda muito está por fazer e tanto já foi feito, mas olhamos para trás e conseguimos perceber que a vida é preciosa. A vida é feita de desafios e conquistas, de momentos felizes e tristes, de emoções e sentimentos distintos, mas, é sempre bom lembrar que a força vem da mente. Na realidade, apesar de todos os desafios, nunca deixámos de acreditar.

António Célio Ramos é cuidador da mulher, que sofreu um Acidente Vascular Cerebral aos 34 anos. Licenciado em Marketing e Publicidade, trabalha em gestão de contas e é associado da Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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