Passaram praticamente ao lado dos media nacionais, as mensagens do líder do Hamas enviadas aos mediadores para um cessar fogo em Gaza, que o Wall Street Journal (WSJ) publicou na semana passada, nas quais Yahya Sinwar define as vítimas civis palestinianas como “sacrifícios necessários” para ter os israelitas “exactamente onde os queremos”.

Sim, caros leitores, leram bem, para um dos líderes do Hamas, os seus irmãos árabes-palestinianos não devem ser salvos, mas mortos em nome da causa palestiniana. Quem diz Sinwar, diz Hamas, o grupo terrorista para o qual o derramamento de sangue de civis é música para os seus ouvidos.

São declarações que revelam a crueldade e o cinismo do Hamas e que demonstram, sem ses nem mas, que o Hamas sempre lucrou com a morte de civis, para depois poder culpar Israel por massacres indiscriminados, quando não por genocídio.

Nada de surpreendente para quem conhece o Hamas. Já era bastante claro que este é o seu pensamento e o modus operandi, e que a carnificina do passado dia 7 de Outubro, com vídeos divulgados que mostram a ferocidade dos terroristas, teve como objectivo preciso desencadear em Israel uma reacção, capaz de fazer explodir todo o Médio Oriente.

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E, de facto, numa outra mensagem, Sinwar diz aos líderes políticos do Hamas para não fazerem concessões nas negociações, porque o crescente número de mortes de civis serviria para beneficiar o Hamas mais do que a cessação definitiva da guerra.

O Hamas, tal como antes dele fez Arafat com Ehud Barak, finge negociar. O objectivo não é negociar, o objectivo não é a paz, mas a guerra. Porque é a guerra e o ódio ao Estado de Israel que une as massas árabes e árabe-palestinianas; porque depois de décadas de propaganda anti-Israel, nenhum líder palestiniano será capaz de se dirigir ao seu povo e dizer: “Fizemos a paz com Israel”.

Isto está escrito no estatuto do Hamas, mas ninguém parece querer lê-lo; isto está escrito no estatuto da Autoridade Palestiniana, mas parece que ninguém quer lê-lo. Será que o antissemitismo também traz consigo o analfabetismo?

Sejamos claros: nada, ou quase nada, justifica qualquer “vingança” ou a lei do olho por olho, dente por dente, mas o que aconteceu no dia 7 de Outubro foi uma barbárie que vai muito além do conflito israelo-palestiniano, sem qualquer justificação, e que colocou todo o Ocidente sob ameaça. A carnificina do Hamas não pode ser considerada apenas mais um capítulo da guerra, mas um facto radicalmente novo, tanto em termos de dimensões como de natureza.

É verdade, os ataques terroristas são uma característica constante da chamada resistência palestiniana: foram perpetrados pela OLP de Arafat e quando ele aceitou a negociação política foram herdados pelo Hamas e pela Jihad Islâmica. Mas o que aconteceu no dia 7 de Outubro foi muito mais do que um atentado: não foi um bomba deixada num autocarro e depois detonada, ou um bombista suicida que que se fez explodir num aeroporto ou entre pessoas sentadas num bar. Acções ainda assim condenáveis, mas que nada têm a ver com os milhares de terroristas que invadiram território israelita e massacraram centenas e centenas de civis indefesos, desfrutando de ver o terror  nos seus olhos, atacando os feridos e até os mortos numa orgia de violência sem paralelo.

Não há nenhuma reivindicação política ou militar que possa justificar tal acção, não há nenhuma injustiça sofrida que dê sentido a tamanha barbárie. A isso se soma o drama dos reféns: crianças, adolescentes, grávidas, idosos, alguns dos quais podemos presenciar o momento da sua captura, graças aos vídeos divulgados pelos terroristas, para criar maior terror. Nas guerras, quem comete crimes, mesmo quando cometendo-os sem conhecimento de causa, tenta escondê-los, porque sabe que está a transgredir normas universalmente reconhecidas e que exibi-los faria com que perdesse o consenso.

Ali, ao invés disso, assistimos a uma inversão, as atrocidades foram exibidas, precisamente porque não se tratou de um simples acto de guerra, por mais cruel que fosse, mas de um desejo de aniquilação. E com o conhecimento de que muitos outros – em qualquer parte do mundo – iriam regozijar-se com essa violência e talvez juntar-se a esta barbárie onde quer que estivessem.

Não perceber esta realidade radical e esta expressão de uma cultura que exalta a morte, que a deseja: para os outros, mas também para si próprios, segundo o “teorema” de Osama bin Laden – “venceremos porque amamos a morte mais do que os ocidentais amam a vida” –  significa ser cego e cúmplice.

Imaginem a onda de protestos, as acusações de cinismo inaceitável, as sentenças exigidas sem recurso dos tribunais ou de fóruns internacionais, se ao invés de um líder do Hamas, tivesse sido um líder de Israel a teorizar que a morte do maior número dos seus compatriotas é “um sacrifício necessário”.  No entanto, nada. Nenhum protesto, nenhuma condenação, nenhum vidro partido, nenhuma parede pintada pelos activistas do Colectivo pela Libertação da Palestina. O assunto foi rapidamente descartado. Das mil praças e universidades ocupadas no mundo, um encolher de ombros.

E a razão é simples: a ignomínia evocada pelo carniceiro de Gaza, por mais obscena que seja, não revela realmente a verdade flagrante e antiga dos civis usados como sacos de areia: repete-a e afirma-a face a uma opinião pública que não consegue sequer indignar-se com ela, porque ela agora representa um facto que não é apenas comum, mas legitimado.

É verdade que, no dia seguinte à publicação do WSJ, o porta-voz do Hamas, Ghazi Hamad, veio dizer que as mensagens eram falsas. Mas estamos a falar do mesmo Ghazi Hamad que disse praticamente o mesmo em entrevista à TV libanesa, em Outubro de 2023: “Israel é um país que não pode ter lugar na nossa terra. Temos de remover esse país que é uma catástrofe política, militar e de segurança para as nações árabes e islâmicas, e isso tem de acabar. Não temos vergonha de dizer isso, com todas as nossas forças.” E ainda: “Teremos de pagar um preço? Sim, estamos dispostos a pagar por isso. Somos chamados de nação de mártires e temos orgulho de sacrificar mártires”.

É este conceito perverso de martírio orgulhosamente defendido pelo Hamas que os nossos “activistas” cultivam, semeando-o com apelos infindáveis pela “Palestina livre do rio ao mar”, e não com o destino do povo palestiniano, caso contrário, teriam de reconhecer de uma vez por todas que o Hamas é também o seu carrasco e não o seu defensor.

E este é talvez o capítulo mais repugnante da narrativa que tem sido escrita sobre a guerra em Gaza. Porque todas estas mortes não condenam apenas aqueles que se orgulham delas e pedem cada vez mais, mas também aqueles que, testemunhando esta verdade, permitem que ela permaneça envolta num manto de indiferença. Talvez haja algo pior do que a utilização desses civis como guarnição por terroristas, e é a negligência daqueles que os permitem fazê-lo.