1Mexicanização é palavra que muito se tem ouvido: anda de trás para diante em muitas bocas a propósito do reinado absolutista do PS, usada pelos “entendidos” para definir os malefícios da maioria absoluta. Não me parece que seja. Portugal está antes a ser a presa de uma fortíssima hegemonia e não de uma mera maioria absoluta – já tivemos outras. Trata-se de algo mais grave, mais pesado, muito mais perigoso. E inédito. É uma hegemonia como não me lembro de ver e já vi muito ( e desde Abril de 74 vi tudo, na primeira fila).
Idade, memória, termos de comparação e referências desaguam nestas minhas percepções. No caso, na de uma hegemonia socialista e não de uma mexicanização. Exagero? Não, caro leitor. Confusão de significados? Também não.
2 A hegemonia é política, antes do mais. Ultrapassa as fronteiras partidárias, governamentais, parlamentares e vai anulando ou ignorando o que a incomoda, privilegiando apenas os figurantes eleitos para parceiros que variam consoante as “saisons”. E quando é preciso – e tem sido preciso – intervém sobre o que resta das instituições independentes: controle de contas, tribunais, Banco de Portugal, universidades, Procuradoria Geral da República; reguladores ( (são muitos, com muito poder e estão a ser muito instrumentalizados). Etc. Basta relembrar, a propósito da Procuradoria, a recente “actuação” inteiramente partidarizada da actual Procuradora na escandalosa questão dos metadados para se testemunhar – em relevo! – o assalto às instituições. Uma história – relembre-se também – só possível de ocorrer após o conveniente afastamento da anterior Procuradora, Joana Marques Vidal, com a aquiescência do Chefe do Estado).
Diante dos nossos olhos, ora se despedem inopinadamente funcionários que afinal não servem a causa do poder com zelo, ou se recorre a modus faciendi mais operacionais onde não é preciso olhar a meios e não faltam colaboradores: perseguições ao bom nome, exposição pública de acusações mal fundamentadas; campanhas a serem permanentemente oleadas e agilizadas por fieis que não se fazem rogados. Desenterram-se se passados não cuidando de neles contextualizar absolutamente nada, nem a época, nem a argumentação, nem o tema, nem o contexto em que foi tratado. Escolhe-se ou nomeia-se mas logo sem sombra de hesitação se anula o compromisso do convite se um qualquer “alguém” tiver descoberto que o escolhido se atrevera um dia a tecer critica ou emitir discordância contra o PS. Já tem até ocorrido ao socialismo actualmente em vigor, exigir o cartão de militante do PS para a entrada em gabinetes do Estado. E aos juízes já foi recentemente aconselhado comportamento “socialista” por gente do PS com responsabilidades políticas (imagine-se quantos céus desabariam sobre o país e quantos Carmos e Trindades se pulverizariam em escombros se ocorresse a alguém da escassa galáxia de comentadores não socialistas, a exigência, nas suas funções, de juízes com comportamento que não “chocassem” com o PSD).
3 A hegemonia exerce-se igualmente e com a mesma desenvoltura no sector económico. Só um distraído (ou um desistente) não se apercebe de como na Economia, António Costa privilegia o Estado com uma mão – com ambas! – enquanto com a outra distingue – e protege – as grandes multinacionais cumuladas de bondades e facilidades, do fisco à burocracia passando pelo sempre jubiloso acolhimento manifestado pela governação. Uma estranha mas sobretudo desastrosa aliança. No meio destas duas fortíssimas tenazes, sem que o poder, as tutelas, os responsáveis, façam grande (ou pequeno!) caso, as empresas portuguesas, repito-o, extenuam-se numa solitária e desamparada luta pela sobrevivência. Mereceriam melhor sorte. Sem elas o motor do crescimento económico fica ainda mais gripado, e o pulmão das exportações vai precisar de respiração assistida. Como bem sabe quem sabe, o país há-de chegar ao fim deste ano de 2022 incapaz de apresentar resultados económicos ao nível dos obtidos em 2019. Há mais vexatório? E como u bem sei, a cada “minuto” aumenta o que pago pelo meu próprio trabalho (uma importância acima de diversas medias europeias que contabilizam estas sagas). Há mais desanimador?
4 A hegemonia cultural não é novidade: há muito que nos dizem o que pensar e como pensar mas não posso impedir-me de voltar ao tema Ou se segue a cartilha deste importado ar do tempo – com o cuidado de atarraxar bem a cartilha a cada um dos seus alucinantes cânones – ou se é um pária. Não nasceu no PS nem é um exclusivo socialista mas esta apropriação cultural erguida sobre impostos dictact – gosto, escolhas, escolas de pensamento, criadores e criações artísticas, livros, comportamentos – não perturba o poder. Passou até a ser quase moeda corrente uma alta vigilância pelos hegemonizadores: vexando publicamente quem não agir sob a batuta mental das variantes do “cancelamento” (só a palavra gela o sangue nas veias) e saudando com aparato quem integra as fileiras do “autorizado”.
5 Visível na política, na economia, na cultura, que dizer do atabafamento (uma forma de hegemonia) da autonomia da sociedade civil? Hoje dá-se mais por isso embora esteja a ser semeado há muito: lembro-me até de que há um bom par de anos se impediu a pretensão de um grupo de motoristas de materiais tóxicos de constituírem num sindicato (Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas, se a memória não me falha). Exit iniciativa e sindicato, o poder obstaculizou quanto pôde, acabando com a fantasia e humilhando os motoristas porque a iniciativa o incomodava. Mais recentemente houve – há – o acinte desprezivo com que se costuma olhar para Ana Rita Cavaco. Bastonária da Ordem dos Enfermeiros – que ela quase transformou num “sindicato” graças à determinação de sua acção politica – foi publicamente erigida a estorvo do poder socialista. Um estorvo com voz , ainda por cima. Repare-se também como se menorizam, desqualificam ou mesmo se empurram pela borda fora, alguns fóruns ou associações de grupos de cidadãos cuja iniciativa e capacidade de critica corre o risco de destoar do coro socialista? Ou, porventura o pior dos piores, a escola privada – não, nunca me cansarei de voltar a este tema) e a teia de dificuldades com que se tenta domesticá-la. Percebe-.se: o ensino privado ficando de fora do perímetro de controle sobre o que o Estado lecciona, a propaganda que veicula, os currículos que elege, exige ser combatido. Combata-se!
São apenas alguns exemplos que agora me ocorrem mas a sua eloquência fala por eles.
6Se houve coisa que Luís Montenegro tenha sinalizado é que percebeu isto tudo. Não sei se outros o terão acompanhado na sua percepção porque só lhe falaram do Chega. Sucede que Montenegro percebeu que só terá uma coisa a fazer durante alguns anos: uma oposição sistemática. Sem apelo nem agravo. Que o mesmo é dizer sem falhas nem folgas.
PS. Era circunspecto e silencioso, inteligente e atento, praticava um humor impiedoso, tinha a coragem da sua liberdade, amava o papel de jornal e sabia com alta mestria , torná-lo indispensável. Vinha dos Açores, foi um grande jornalista e eu respeitava-o. Algumas discordâncias que tivemos foram-se desfazendo, vida fora, como bolas de sabão. Mário Mesquita talvez não soubesse – mas fica a saber agora – a que ponto iluminou a minha caminhada jornalística com uma proposta que me fez quando, na década de oitenta do século passado, me convidou escrever um diário no Diário Noticias que então dirigia. Chamava-se “Noticias de um Diário” e por duas ou três épocas não cronologicamente seguidas, ali estive, feliz. Felicíssima, assegurando o meu trabalho no Expresso e “figurando” ao mesmo tempo nas páginas de um jornal que eu adorava, como era o DN. Grandes tempos, grandes recordações, grande jornalismo que o Mário fazia. Honro-me muito – e hoje consentindo em deixar uma sentida nota de emoção vir ao de cima deste breve escrito – de poder dizer que trabalhei com o Mário Mesquita, para o Mário Mesquita!