A ordem das estações e as leis dos elementos que até agora governaram o mundo começam a cair num caos eterno que anuncia o fim do género humano. Assistimos a sinais e prodígios, coisas espantosas e terríveis, aflições diversas mas que se ligam umas às outras. Disformidades monstruosas da natureza anunciam discórdias. Não há já tempos propícios para as sementeiras, por todo o lado há chuvas excessivas, inundações, secas desastrosas, epidemias, fome terrível. Os elementos hostis batalham uns contra os outros, castigando a insubordinação dos homens.

A ciência explica tudo isto, explica que as nações humanas se desviaram do seu curso recto e caminham para o abismo, sob o comando do miserável Donald Trump, que, nos quatro cantos da terra, conta com modernos Gogue e Magogue para perfazer a sua obra de destruição. Os cientistas interpretam de forma clara e evidente todos estes sinais. Só eles têm a capacidade de levar consigo todo o povo humano à perfeição, afastando-o da desavergonhada avidez, da desenfreada cupidez capitalista que faz o sangue cobrir-se de sangue. Os negacionistas, seduzidos pelo espírito enganador, que trabalha insidiosamente para desviar os bons da sua via recta, são os agentes do desânimo e da perversão doutrinal. Membros do corpo científico atingidos por um inominável mal, deverão ser excomungados, para que a podridão que consigo trazem não se propague mais.

O desregramento do universo exorta à penitência. Exigem-se ritos de purgação. As regras de vida que até aqui eram apenas seguidas nos claustros pelos monges, pelos especialistas das macerações e da abstinência, deverão agora ser uso comum. Mas nada disto será em vão. Uma Nova Aliança entre os seres humanos e a terra daí advirá, a acção climática trará consigo uma nova Primavera que porá fim à desordem das estações e ao desenfreado combate dos elementos.

Os três parágrafos anteriores são, quase sem modificação alguma, transcrições de passagens das Histórias escritas pelo monge Raul Glaber na primeira metade do século onze e de comentários que o historiador francês Georges Duby a elas fez no seu livro O Ano Mil, onde analisa algumas atitudes prevalecentes no fim do primeiro milénio. É claro que mudei uma coisa ou outra. Onde estava a Bíblia – nomeadamente o capítulo XX do Apocalipse – está agora “Ciência”. Os “homens de Igreja” são agora os “cientistas”, o demónio é o capitalismo, o Anti-Cristo Trump, os heréticos os “negacionistas”… Mas, tirando estas substituições fáceis de executar, encontram-se no livro de Duby descrições que convêm por inteiro à atitude contemporânea face às chamadas alterações climáticas. Sobretudo à nova conversa de taxista que tomou conta do mundo e a que se poderia chamar ecopopulismo.

O populismo caracteriza-se, entre outras coisas, por amalgamar realidades distintas, fornecendo ao mesmo tempo a aparência de uma explicação única que tudo engloba. O ecopopulismo não é excepção a esta regra geral. Tudo se encontra magicamente ligado. E, como tudo se encontra magicamente ligado, o corte com o presente que reivindica tem de ser radical. Greta Thunberg, a nova sacerdotisa do ecopopulismo – o sumo sacerdote Al Gore já deu o que tinha a dar -, recebida entusiasticamente em Lisboa por meia-dúzia de pessoas e uma cobertura mediática nunca vista, exprimiu recentemente, num artigo publicado em conjunto com duas colegas que também faltam às aulas, este aspecto do credo ecopopulista: a “crise climática” foi “criada e alimentada” pelos “sistemas de opressão coloniais, racistas e patriarcais”, “temos de os demolir todos”.

Dir-se-á que comparar as atitudes presentes com os pavores do fim do primeiro milénio é fugir a qualquer discussão séria das questões postas pelos males infligidos pelos seres humanos ao ambiente do planeta, como por exemplo a de Judith A. Curry, em Alterações climáticas. O que sabemos, o que não sabemos, publicada entre nós pela Guerra e Paz. Mas não era disso que falava: falava do ecopopulismo posto em voga pela Igreja Universal da Climatologia, que justamente representa a mais formidável barreira para que a tal discussão séria tenha lugar. Uma barreira tão extraordinária que, para explicar a infantilização do espírito que produz, apetece recorrer a uma conjectura arriscada, como manda a sábia metodologia científica: só as alterações climáticas poderiam efectivamente dar lugar a tal monstruoso efeito regressivo na mente humana. Tal conjectura parece cumprir os requisitos das boas hipóteses: simplicidade, beleza, fecundidade.  Até a “Carta a Greta” do ministro Matos Fernandes se compreende melhor assim.

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