A questão Lula da Silva nas celebrações do 25 de Abril não é uma questão menor. É uma questão exemplar. Não se pode defender uma coisa e o seu contrário. Ou pode quando se trata de liberdade e de democracia?
Lula da Silva tem sido claro e consistente. Para Lula, a Ucrânia é tão responsável pela guerra como a Rússia de Putin. Pior. Os Estados Unidos, a União Europeia e a NATO partilham da responsabilidade pela invasão russa da Ucrânia. E pela estimulação da guerra através do fornecimento de armas e de formação militar. Ou seja, este é um homem que faz equivaler agressor e agredido. E tem-lo demonstrado em sucessivas declarações. Logo após a invasão russa da Ucrânia; em entrevista à Time; voltou a fazê-lo em Pequim; e agora nos Emiratos Árabes Unidos. Este é o homem a quem Lavrov, ministro dos negócios estrangeiros da Rússia de Putin, agradeceu «a clara compreensão da génese da situação», e sobre quem disse «temos visões similares». A convicção de Lula da Silva da responsabilidade da Ucrânia, dos Estados Unidos, da União Europeia e da Nato na invasão russa, repito, russa, tem sido reiterada em cada oportunidade.
Isto é o mesmo que dizer que as valas comuns de Bucha, Izium, de Mariupol são também de responsabilidade ucraniana, norte-americana, europeia e da NATO. O mesmo para os civis ucranianos mortos. Para as crianças mortas e para as raptadas. Para as mulheres violadas. Para as vítimas de tortura. Isto é o branqueamento dos crimes de guerra russos.
Como tive oportunidade de escrever, aqui, no Observador, a este propósito, há mais de um ano, Lula da Silva faz parte do grupo daqueles para quem se uma mulher de mini-saia é violada, é porque estava a pedi-las – na verdade, igual posição tem qualquer fundamentalista que no Irão nos repugna quando exige que a mulher se cubra totalmente e nem o cabelo mostre para garantir o controlo do comportamento sexual dele.
Lula da Silva considera que a integridade territorial de um país, logo o direito internacional, não tem significado efectivo. No entanto, é este o homem que, a despeito do horário, discursará no Parlamento, no dia das comemorações do 25 de Abril.
Celebramos a democracia com o discurso de quem tão profundamente a desrespeita, com a conivência de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Augusto Santos Silva.
Ouvir Marcelo Rebelo de Sousa justificar o convite com as boas relações institucionais entre Portugal e Brasil e a relação privilegiada entre os dois países não apaga as declarações anti-democráticas e em absoluto desrespeito pela Carta das Nações Unidas e pela União Europeia que reiteradamente Lula da Silva proferiu.
E se a presença de Lula no Parlamento a 25 de Abril tem convulsionado os media é só porque repugna a muitos portugueses, qualquer que seja a sua filiação política. O PSD, através de Paulo Rangel, veio exigir ao governo «a demarcação diplomática e pública» das posições de Lula, e uma «posição pública e formal». Os exemplos de repúdio são tantos, mesmo dentro do próprio Partido Socialista, que este veio, através de Jaimila Madeira, justificar tal presença. As declarações feitas em nome do PS manifestam a desonestidade intelectual e moral deste socialismo. Onde diz «paz», está implicada a submissão ucraniana, pois foi condenada a entrega de armas pelos aliados europeus. Onde diz países da CPLP, implica economias dependentes da Rússia.
Não deixa de ser uma coisa e o seu contrário, enquanto é também uma ironia: Lula da Silva, Grande-Colar da Ordem da Liberdade por Jorge Sampaio, discursa a 25 de Abril de 2023 a convite de Marcelo Rebelo de Sousa, que condecorou Zelensky com a mesma Ordem.
A autora escreve segundo a antiga ortografia