O veto do Presidente da República à abominável lei da cópia privada foi uma excelente notícia para o país. A opção de devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n.º 320/XII, sobre a “compensação equitativa relativa à cópia privada”, trava, pelo menos para já, o que seria uma inequívoca vitória do mais flagrante rentismo.

A fundamentação da decisão do Presidente da República aponta de forma clara e sintética para alguns dos principais problemas da lei que havia sido aprovada na Assembleia. Desde logo, as distorções e assimetrias que introduziria nos mercados taxados, com prejuízo evidente para a economia portuguesa e sem benefício (antes pelo contrário…) para a generalidade dos autores nacionais. Depois, e de forma ainda mais crucial, a confusão (deliberada?) que foi introduzida entre reprodução legítima e reprodução ilegal e que inquinou a discussão pública sobre a lei. À referida confusão, a nova lei da cópia privada juntava ainda uma manifesta desporporção nos meios previstos, além de reflectir quase exclusivamente os pontos de vista dos beneficiários directos das rendas que seriam criadas pela sua aplicação. Finalmente, a Presidência levantou também sérias dúvidas sobre a equidade e eficiência de taxar equipamentos independentemente do uso que lhe poderia ser dado pelos consumidores e chamou à atenção para o potencial da nova lei da cópia privada atrasar ainda mais o desenvolvimento da economia digital em Portugal.

Pelas mesmas razões pelas quais a aprovação da nova lei da cópia privada na Assembleia não constituiu surpresa, a posição da Presidência da República merece ser especialmente louvada. Em casos como este é infelizmente mais fácil e confortável para os decisores políticos fechar os olhos face a aberrações jurídicas e económicas do que enfrentar interesses particulares poderosos e extremamente vocais na comunicação social. Ao devolver a lei à Assembleia a Presidência não só enfrentou corajosamente esses interesses como deu prioridade à salvaguarda do bem comum.

O Governo e a maioria parlamentar que o suporta devem também estar agradecidos ao Presidente por ter frustrado os intentos do secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier, que desde o início se posicionou inequivocamente ao lado dos agentes que mais pressionaram a favor da lei em prejuízo do país e da própria racionalidade política do PSD e do CDS. O veto dá uma segunda oportunidade ao Governo de desistir de um agravamento fiscal injustificado em contexto de austeridade, sem qualquer benefício para o Estado e em claro prejuízo dos interesses eleitorais do PSD e do CDS. A intenção anunciada pelo PSD (depois de vergonhosamente não ter havido um único deputado do partido a votar contra a lei) de não insistir na lei da cópia privada é um sinal positivo, sendo que neste domínio merece ser mais uma vez realçada a consistência, lucidez e empenho ao longo de todo o processo do deputado do CDS Michael Seufert.

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Não se pense no entanto que o veto da Presidência encerra o assunto. Sem supresa, a AGECOP já veio a público assegurar que continuará a exercer toda a sua influência para fazer avançar a lei e parece agora apontar baterias e expectativas para um hipotético futuro Governo liderado pelo PS. Sendo certo que coligações rentistas como as que beneficiariam directamente da nova lei da cópia privada são extremamente hábeis em construir bases de apoio transversais aos principais partidos políticos, não é menos verdade que também no PS, felizmente, tem havido quem se oponha à nova lei. É o caso do deputado socialista José Magalhães, que inclusivamente exprimiu os fundamentos da sua oposição publicamente.

Assim sendo, embora o veto da Presidência não encerre a questão nem a ameaça subjacente, pelo menos (e já não foi pouco) travou uma aberração legislativa que muitos já davam como facto consumado e deu uma nova oportunidade aos partidos políticos de darem um bom exemplo de resistência ao rentismo.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa