28 de Abril de 2020
Não consigo arranjar maneira de regressar a St Andrews, pelo que continuo por esta admirável cidade que é o Porto, para mim agora uma espécie “gaiola”, mas muito dourada, graças ao soul que leva dentro, e à sua gente de afabilidade tão invulgar.
Como sou ruivo, nota-se que não sou lusitano, e aqui metem conversa comigo, se é que não me chamam logo “bife” (pele muito encarnada…). Foi o que aconteceu com um sujeito alto e magro que se passeava por aquele esporão que aqui há na Foz (é o nome do meu bairro) e entra pelo mar dentro, a que chamam Molhe. Era o único humano, além de mim, a ousar caminhar naquele piso escorregadio causado pelo limo das algas, e a enfrentar a proximidade à forte ondulação forte daqui, de beleza tão dramática quanto irreplicável
Lá lhe disse que sou escocês, mas que nascera no Porto. E ele começou a falar da história da cidade, das diferenças que agora tanto se notam em relação ao passado, de livros de notáveis escritores portuenses, sei lá, (e até me referiu um de que o Hans não me pára de recomendar, Mário Cláudio, creio). Atendeu o telefone, pareceu-me inquieto e, sem mais, desapareceu em passo estugado. À noite estava eu a browsing a tv portuguesa e, eis se não quando vejo que o meu homem do Molhe, era afinal o verdadeiro Homem do Leme, o Mayor cá da terra! E fui ver na net o que este herói anda a fazer pelo Porto: fiquei embasbacado. Quem dera ao seu (ou será sua?) Berlim ou ao meu (minha?) Edimburgo terem um Mayor assim!
O Hans, que viaja mais do que eu, sabe bem que, quando chegamos a um sítio envolvemo-nos com as notícias locais. Apesar de o box estar mais silly que nunca, mesmo assim vejo os canais locais, o Porto Canal, a RTP, a SIC, a TVI, e leio o Observador (bom jornalismo digital, digo-lhe!) e o Público. E fico um pouco baralhado. Imagine que no dia 1 de Maio as Unions estão autorizadas a manifestarem-se na rua aos milhares, quando tudo está fechado em casa. Disseram-me que é para poderem participar em alguns funerais a que, até esta excepção tão bizarra, quase ninguém podia assistir, às vezes nem o Padre ou o viúvo! Mas parece que, em vez de encarnadas, se vão manifestar com bandeiras pretas! Acho difícil acreditar, mas nunca se sabe.
No outro dia o Hans telefonou para me recomendar comprar acções de uma das empresas aéreas americanas, que agora valem quase zero. Fiquei céptico, mas como com o empreendedorismo yankee tudo é possível, nesse caso se calhar tem razão. Aqui na Europa, o mito de o Estado não poder, por lei de Bruxelas (!), subsidiar as Air Frances e as Alitalias deste mundo, é treta. É aos biliões como sabe, e a lei bruxelense que vá dar uma volta! E na Lusitânia não me deixou de chocar ver um tal Santos (não recordo se é Nuno, ou se será Pedro, ou até Vladimir, como o Lenin?) a levantar o dedo e a dizer, tantos anos depois de o muro de Berlim ter sido derrubado e de o Vasco Gonçalves (um soviético lusitano, que quase desfez este nosso querido rectângulo) ter sido dado como demente, que agora o povo é que vai mandar na TAP, pois a TAP vai ter dinheiro do povo! Já imaginou o que seria? Por exemplo, eu que sou do povo, a mandar naquilo?!
Sempre fui um fã de motocicletas, e em St Andrews tenho uma velha Norton com que me passeio pela orla costeira lá de Fife. Não sou só eu quem sempre foi fã das motos Norton. Também foram o seu amigo Che Guevara, e outro com quem se calhar esteve aí em LA, o Clint Eastwood, entre milhares de outros fiéis ao longo de décadas. Esta absoluta inglesice que eram as motos Norton, quase faliu. Mas graças a quem, aos indianos!, nem mais nem menos. Fique a saber que a Norton Motorcycles sobreviveu. O novo dono é a TVS Motor (pagou 16 milhões, nem sei como), a terceira maior fabricante de motas na Índia, que vai investir dezenas de milhões de libras nessas motos de luxo que são a paixão de milhões de aficionados por todo o mundo. Estou salvo! Contrataram um sabichão da Harley Davidson, e vão produzir 12.000 por ano, quase tudo à mão, um super luxo, lá em Leicester, em Donington Park. Espero que a Norton, que existe em Inglaterra desde 1898, não perca a pedalada!
O Hans, apesar do CV19, não pára de viajar por causa das responsabilidades na Woschiems, pelo que não se sente isolado. Mas eu, apesar desta hospitalidade ímpar dos tripeiros (os portuenses são peritos a cozinhar tripas!), sinto-me longe dos meus amigos e família de St Andrews, do Old Course, do Big Room do meu club, e de jogar golf. Aliás aqui nem no Oporto Golf Club em Espinho posso exibir os meus dotes, pois está encerrado! Por isso sinto-me só, e a contemplação dos quadros do Edward Hopper servem para mergulhos quase masoquista na solidão, que vão até às profundezas da alma! Gozar a angústia do Hopper dá-me prazer! Estranho, não acha? Sei que tem dois quadros dele na sua coleção, mas com os meus cabedais (confesso fui procurar esta bela palavra para o apoucar…) a minha paixão por aquela pintura só a satisfaço com reproduções ou nos museus! Dado o que estamos a viver, não admira que os Nighthawks estejam a ganhar grande popularidade, com reproduções e até manipulações surreais deste quadro… Deus queira que a exposição em Basileia na Fondation Beyeler, que esteve tão poucos dias aberta por causa do danado vírus, reabra e se mantenha acessível ao público algum tempo: não posso faltar!
Kindest abraços deste seu amigo,
30 de Abril de 2020
Pois hoje estou-lhe a escrever de Los Angeles, e decidi ficar novamente neste hotel de Berverly Hills, onde em tempos conheci um dos próprios Hiltons que, na minha juventude, passava aqui longas temporadas. Não admira, o hotel era dele, e só se viam beldades! Nos finais dos anos 70 apresentava-me a estas celebridades de Hollywood, com que eu ficava varado (e esta palavrinha lusitana: acha que estou a melhorar? Vá ver a etimologia sff, é muito interessante). Mas olhe caro William, o ambiente por aqui neste mundo do cinema pouco ou nada mudou, me2 ou não me2, Weinstein ou não Weinstein. Coitadas, as candidatas ao estrelato têm que fazer pela vida, não acha?
Imagine que me chegou às mãos um estudo de Derek Scissors, do American Enterprise Institute, especializado em estudos das relações sino-americanas, que coloca o número de casos de CV19 na China num número trinta vezes superior ao oficial, ou seja, 2,9 milhões. Não me parece necessário nenhum relatório confidencial para desconfiar que os números chineses sejam uma grande aldrabice, desculpe a expressão. De facto como é possível que a China, onde tudo isto começou, com mil e quinhentos milhões de habitantes tivesse menos infectados que os italianos, que são apenas 60 milhões!!!!! E como eles são ditadores comunistas como outros Lenines quaisquer que ainda esbracejam por aí (é incrível, mas pelo que me diz ainda os há na Lusitânia!) executam ou surripiam para parte incerta (cadeia, garrote ou Rocha Tarpeia, o que estiver mais à mão para os silenciar) todos os que contam o que na realidade se passou ou se passa, médicos que alertam para o drama, jornalistas que relatam a verdade, sei lá quem mais. E os ventiladores e máscaras em que eles querem mostrar pseudo generosidade entregando às pazadas por esse mundo, é tudo sucata!
Cortar o cabelo onde e por quem, é opção de fé e pede liturgia. Esta semana aqui em Los Angeles soou o meu telefone mostrando o indicador 351. Era Margarida, a barbeira do Hotel Altis, em Lisboa, de quem tanto lhe tenho falado, uma artista insuperável na simpatia e nas tesouras! E é nela que o meu cabelo põe fé sempre que visito Portugal, com um cerimonial que é de teatro clássico. Era a manicure e herdou a barbearia do então seu patrão, o Costa, esse até cantava no S. Carlos, o verdadeiro Figaro, coitado, agora nos verdes prados, com grande saudade dos fãs…, uma figura da Lisboa profunda que eu mais amo, e que me brindava sempre com piadas picantes por causa da minha pronúncia alemã, a rolar os rrr. E agora a Margarida é barbeira com diploma na parede. E os clientes do mestre dela concluíram rapidamente que corta tão bem ou melhor que o Costa! O telefonema era para me anunciar que regressa ao trabalho dia 4, em que os polícias lusitanos autorizam a reabertura das barbearias. Os clientes que lá vão já lhe preencheram quase todas as horas disponíveis, todos com uma trunfa tremenda depois de tanto confinamento. Logo que aterrar na Portela daqui a uns dias vou lá, não há artista de cabelo neste mundo de Deus, por onde saltito sem parar, que se lhe compare!
Aproveitei estar aqui para ir visitar um velho amigo, o Arcebispo de Los Angeles, que conheci em Chicago há uns quinze anos. Eu sou católico converso, e o Hans é Church of Scotland, mas tenho a certeza que com o seu espírito ecuménico se vai interessar pelo que faz esse fenómeno de nome Robert Barron e que o William descobre se for ao site Word on Fire. É de uma contemporaneidade incontornável na abordagem à evangelização, e de uma inteligência ortodoxa para que não encontro paralelo. Ainda vai a Papa, oiça o que lhe digo…
Herzlische Grüsse aus Hollywood!
Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês (William Archibald), residente em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.