A diferença mínima que deu a vitória aos socialistas, a descida do BE e do PCP, a subida da Iniciativa Liberal e a acentuada queda do Chega conjugam-se para desincentivar uma antecipação das eleições legislativas a curto prazo. O maior número de votos do PS esconde que perdeu um eurodeputado e que os partidos de direita vão agora em maior número para Bruxelas e Estrasburgo – 11 em 21 agora quando eram 7 em 2019. Este equilíbrio de forças, embora não se podendo replicar para legislativas, aponta para uma dinâmica à direita que não se verificou à esquerda. Até porque pode ter existido um efeito Cotrim na Iniciativa Liberal enquanto um eventual efeito Temido não foi suficiente para afastar muito os socialistas da AD, com os votos da sua esquerda – que perdeu sem se perceber ainda bem para onde foram os seus eleitores.

Contrariamente ao abalo que as europeias provocaram em França – com eleições antecipadas para 30 de Junho – e até na Alemanha e em Espanha, os resultados eleitorais em Portugal parecem ter elevado a probabilidade de o Governo conseguir aprovar o Orçamento do Estado para 2025. A questão é que Orçamento. Como Cecília Meireles referiu na SIC, na noite eleitoral, o Orçamento pode ser aprovado na generalidade e ser completamente desvirtuado em sede de especialidade. Nada que não tenha acontecido até agora, com a oposição a impor já facturas para 2025, como é o caso da eliminação das portagens nas ex-Scuts (180 milhões na estimativa do Governo que o Banco de Portugal também considera).

O consenso que existe na sociedade portuguesa, quanto à importância de contas públicas equilibradas, pode chocar com a ambição de conquista ou manutenção do poder, alimentada pela ilusão do excedente de 2023 e pela descida da dívida. E neste ambiente de instabilidade podemos correr o sério risco de perder o que conquistámos até agora, não avaliando bem os problemas que temos pela frente e que os resultados das eleições europeias em França e na Alemanha tão bem indiciam. O ambiente bélico que se vive na Europa a par do crescimento dos nacionalismos é pouco amigo da construção europeia, um projeto que damos como adquirido, e da estabilidade económica e financeira.

Ainda bem que o Banco de Portugal resolveu começar a avaliar as finanças públicas, uma tradição que se perdeu no início da década de 90 do século XX, quando houve o conflito entre o então ministro das Finanças Jorge Braga de Macedo e o governador Miguel Beleza deu lugar a António de Sousa. Vítor Constâncio, enquanto governador, foi chamado a contribuir para a avaliação das contas públicas – primeiro para José Manuel Durão Barroso e depois para José Sócrates – mas os males estavam feitos.

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Os alertas prévios são muito mais úteis, porque permitem fazer uma análise informada sobre as medidas que estão a ser aprovadas quer pelo Governo como pela oposição, criando uma sociedade civil com capacidade critica e capaz de pressionar os responsáveis políticos a não adoptarem medidas que nos podem sair caras.

É isso que o Banco de Portugal faz na sua análise, que vale a pena ler (a partir da página 23), e nos avisos que o governador Mário Centeno foi deixando na apresentação do Boletim Económico de Junho. A primeira frase que se pode ler no texto é especialmente elucidativa: “Com a informação disponível, é expectável o retorno a uma situação de défice, colocando em risco a trajetória desejável para a despesa pública no âmbito nas novas regras orçamentais europeias”. E fica igualmente a recomendação de Mário Centeno: “as políticas económicas devem manter a prudência e espaço para serem contra cíclicas”.

A tentação é grande, de quem está no poder, de criticar o banco central, e até de o tentar calar, sempre que alerta para os problemas que as decisões de política levantam. Esperemos que desta vez não venha a acontecer o mesmo do passado e que se respeite aquilo que está enquadrado nas funções previstas na lei orgânica do Banco de Portugal: “aconselhar o Governo nos domínios económico e financeiro, no âmbito das suas atribuições”. E avaliar a política orçamental está no âmbito das suas atribuições ou não fosse ela um factor de desestabilização económica e financeira, como aprendemos duramente no reajustamento que tivemos de fazer no tempo da designada troika. Quando precisámos de ajuda, como comunidade, o Estado não tinha dinheiro e foi obrigado a colocar-nos nas mãos dos credores.

O resultado eleitoral das europeias aponta para a estabilidade política a curto prazo, mas está longe de nos garantir responsabilidade financeira, levando em conta aquilo a que temos assistido nos últimos pouco mais de dois meses.