Decorre esta semana no Porto a Conferência Climate Change Leadership que tem nesta edição como principal orador Al Gore, antigo vice-presidente dos Estados Unidos, prémio Nobel da Paz e um dos mais destacados ativistas na luta contra as alterações climáticas. Esta conferência é promovida por uma das mais antigas casas de Vinho do Porto e tem como tema, para além das alterações climáticas, soluções para a indústria do vinho enfrentar esta nova realidade.
O vinho está intimamente ligado ao local onde as suas uvas crescem e a condições como temperatura, humidade, tipo de solo, topografia, entre muitos outros atributos naturais. Estes elementos são parte importante do terroir associado a um determinado tipo de vinho e fundamentais para tornar um vinho especial e excepcional. O inegável aumento das temperaturas médias, com anos cada vez mais quentes, provoca um aumento de situações de seca e faz com que cada vez mais água seja absorvida dos oceanos, fazendo com que fenómenos extremos como incêndios, tempestades e inundações sejam também cada vez mais frequentes. Estas alterações num sistema tão frágil colocam em causa o património único que muitas regiões vinícolas possuem e que as diferenciam, influenciado a qualidade e a quantidade das suas produções.
No caso do vinho, Portugal conta com produtos com uma forte ligação à região em que são produzidos e que os tornam excepcionais, casos como as encostas do Douro e as planícies do Alentejo, que cada vez mais conquistam um reconhecimento pela maneira como as condições únicas destes territórios influenciam a qualidade dos vinhos aí produzidos. Estas condições estão ameaçadas, fazendo com que o tema da vulnerabilidade às alterações climáticas seja cada vez mais importante, não só pela necessidade de estarmos preparados para incêndios, secas e tempestades cada vez mais fortes, mas também para os efeitos provocados nos recursos naturais e consequentemente no desenvolvimento de atividades económicas que partem da exploração dos mesmos.
É por isso inspirador para o país o surgimento de iniciativas lideradas por empresas que procurem antecipar o futuro e trabalhar na criação e aplicação de políticas sustentáveis. Esta discussão não pode mais continuar abandonada a um debate político mundial e abstrato, mas precisa de cada vez mais ser liderada pela sociedade civil — pelos seus cidadãos e empresas — com propostas e exigindo ações concretas que permitam preparar-nos para esta nova realidade.
Portugal foi capaz de se tornar um exemplo na adoção de energias renováveis, mais de 50% da energia consumida o ano passado foi produzida a partir de fontes renováveis. Seguindo este exemplo devemos procurar trabalhar para além dos setores mais óbvios, como a energia e mobilidade, e apostar em tornar o país como o local para o desenvolvimento e teste de tecnologias limpas e políticas sustentáveis em conjugação com as indústrias de diferentes setores, como agricultura, construção, floresta, mar, alimentar, entre outras.
Perante a dimensão da ameaça das alterações climáticas e no impacto que estas terão no nosso país, ao trabalharmos neste tema estaremos a trabalhar em causa própria. Ao procurarmos criar um modelo de desenvolvimento económico com uma base alternativa aos combustíveis fósseis estaremos também a abrir uma janela de oportunidade para uma nova economia, mais competitiva e sustentável, tirando partido do conhecimento científico e aproveitando e protegendo os nossos recursos endógenos. Brindemos a isso e ajamos para tal.
Simão Soares tem 33 anos e é CEO da SilicoLife, uma empresa que combina inteligência artificial com biologia para o desenho de processos biológicos sustentáveis para a produção de químicos. Tem formação em bioinformática pela Universidade do Minho, pós-graduação em gestão pela NOVA School of Business and Economics e formação em Blue Ocean Strategy pelo INSEAD. É membro da direção da P-BIO, Associação Portuguesa de Bioindústrias, e Climate Reality Leader.