1 Respeitando uma já longa tradição, dedico esta minha penúltima crónica antes das férias de Agosto a sugestões de livros de autores estrangeiros. Na próxima crónica —e última antes de férias, prevista para 1 de Agosto — conto sugerir obras de autores nacionais.
2 Esta minha seleção de autores estrangeiros será dominada pelo embaraço da escolha. Apesar da moda recente das redes sociais militantes, a velha tradição de livros com argumentos ponderados parece conseguir resistir. E é precisamente a este propósito que a minha primeira e enfática escolha vai para o livro de Francis Fukuyama, Liberalism and its Discontents (Profile Books).
Foi traduzido entre nós em tempo recorde pela Dom Quixote (Liberalismo e seus descontentes). E continua a dominar os debates na America e na Europa. Acabo de receber um e-mail de Francis dizendo-me que virá a Lisboa no inicio de Setembro para apresentar o livro (e lamentando não ter conseguido estar presente no nosso Estoril Political Forum de 27-29 de Junho, precisamente dedicado ao tema que nos preocupa, “Confronting the Authoritarian Challenge”). É difícil exagerar a importância crucial do livro de Fukuyama.
Ele lança-nos o alerta fundamental sobre os tempos que vivemos hoje nas democracias liberais do Ocidente: a erosão dos partidos e das opiniões do centro-direita e do centro-esquerda, a favor de tribos coletivistas rivais que mutuamente desprezam — quando não atacam violentamente, como no repugnante assalto ao Capitólio de 6 de Janeiro — as regras gerais da democracia liberal ‘under the rule of law’.
Fukuyama enfatiza certeiramente que esta tribalização não vem exclusivamente da direita nem exclusivamente da esquerda: vem dos dois lados ao mesmo tempo e revela o esquecimento — ou, talvez mais rigorosamente, a vulgar ignorância — da tradição ocidental de concorrência civilizada entre (pelo menos) dois grandes partidos rivais, ao centro-direita e ao centro-esquerda, sob a comum observância de regras gerais de boa conduta estabelecidas na Constituição e muitas vezes não escritas.
3 In the good old days, isto chamava-se democracia liberal — e era mutuamente defendida pela direita e pela esquerda civilizadas. Fukuyama lançou em 2020, com nosso comum amigo Jeffrey Gedmin, uma excelente revista digital intitulada American Purpose que está a renovar essa antiga e nobre tradição liberal-democrática. Embora não seja exactamente um livro para férias, recomendo enfaticamente a revista digital American Purpose — aliás anunciada em 2020 por um texto de Fukuyama que esteve na origem do seu livro Liberalismo e seus descontentes.
4 Sobre o radicalismo anti-liberal da esquerda radical, Douglas Murray escreve um memorável manifesto em The War on the West (HarperCollins). Trata-se simultaneamente da defesa da civilização ocidental, com raízes em Atenas, Roma e Jerusalém, e de uma crítica veemente ao fanatismo anti-ocidental — o qual, precisamente por ser anti-ocidental, pretende impor uma ditadura politicamente correcta e ‘cancelar’ o pluralismo que distingue o Ocidente.
Murray parece-me inteiramente certeiro na critica que dirige ao radicalismo da esquerda. Mas tenho algum cepticismo relativamente ao tom doutrinário e crispado que por vezes adopta, designadamente ao aceitar de certa forma a discussão sobre questões de “raça”. Aproveito para recordar, a este propósito, que até o politicamente correcto The New York Times teve de reconhecer há dias que seis dos dez candidatos iniciais à liderança dos conservadores britânicos têm antepassados não europeus.
Atrever-me-ia a alvitrar que um dos mistérios da vitória do Ocidente — que orgulhosamente defendemos — poderá residir numa ecuménica capacidade de manter o equilíbrio do navio em que navegamos, uma referência ao conservadorismo liberal de Edmund Burke e às culturas políticas marítimas, hostis às revoluções, de esquerda ou de direita. Esta tradição marítima foi aliás recentemente recordada no Estoril Political Forum, e a seguir em Braga, na Universidade do Minho, por ocasião das celebrações dos 650 anos da Aliança Luso-Britânica, a mais antiga aliança do mundo, ainda em vigor.
5 Vem agora mesmo a propósito a referência à lista de sete (!) livros que a revista The Economist sugere para “compreender o partido conservador britânico”. Não vou aqui repetir os títulos dos sete livros. Mas não resisto a reproduzir o título do cartaz que abre o artigo: “Vote for Change! Vote Conservative!”. Esta intrigante contradição, aos olhos de algum eventual dogmatismo continental, está em grande medida na génese do impressionante sucesso do partido conservador britânico — o mais antigo partido político do mundo e o que mais tempo tem estado no governo (ainda por cima, sempre por eleições livres e leais).
Um dos mais críticos anti-conservadores autores dos sete livros citados por The Economist — Phil Burton-Cartlege, autor de Falling Down: The Conservative Party and the Decline of Tory Britain (Verso, 2022) — apesar de tudo conclui com a seguinte observação: “Ninguém ficou rico a apostar contra os Tories”. E The Economist conclui: “Quite”. Seria útil investigar — acrescento eu — as razões desse sucesso do partido conservador britânico. Mas também, já agora, seria útil investigar as razões do sucesso do partido trabalhista britânico — que nunca foi marxista, nem ‘anti-capitalista’, simplesmente Trabalhista; e destemidamente patriótico na resistência contra os totalitarismos nazi e comunista.
6 Finalmente, uma referência ao livro de Henry Kissinger, Leadership: Six Studies in World Strategy (Allen Lane). Receio ter de confessar que Kissinger não é propriamente my cup of tea. Tenho dificuldade em esquecer a sua tese — alegadamente “realista”, por oposição a “idealista” — de que a revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974 iria inevitavelmente dar a vitória aos comunistas e que isso seria uma ‘vacina’ para os países da Europa do Sul com fortes partidos comunistas, como a França e a Itália. Felizmente, Mário Soares e Frank Carlucci contrariaram as “lições realistas” de Kissinger — e os comunistas foram vencidos nas urnas a 25 de Abril de 1975 e nas ruas a 25 de Novembro desse mesmo ano. (Todavia, também tenho o dever de recordar que Kissinger acabou por reconhecer publicamente que tinha estado errado).
O livro que agora publica, aos 99 anos de idade, já motivou pelo menos duas excelentes entrevistas por dois amigos comuns: Niall Ferguson e o nosso muito Churchilliano Andrew Roberts. Outra grande amiga de Portugal, Margaret MacMillan, ex-reitora do St. Antony’s College em Oxford, escreveu uma simpática, ainda que distanciada, recensão do livro no Financial Times de 9 de Julho. Embora eu ainda não tenha lido o livro, certamente subscrevo o veredicto final de Margaret: “Elder statesman is an overused term but Kissinger is the genuine article, and worth listening to — even if you choose to disagree with him”.
7 Boas férias e boas leituras.