1 Telegraficamente, que falta espaço. O Mundo mudou. A realidade política não cabe há muito nas categorias da “ciência” política (que não é ciência, como se sabe). Ainda cabe menos nas ideologias e ideários em uso e consumo. Por isso a “ciência” política adoptou uma nova categoria: populismo. Para logo ter de assumir que havia vários, também de esquerda*. E do centro e do centro esquerda e do centro direita, esquerda-direita, marche, um, dois,.!** Isto é, os termos ideologia e ideário, os conceitos, significam hoje zero. E é há muito tempo assim. Eterno, mas em crescendo pela perda de valores, logo de racionalidade civilizadora, de sentido, é o instinto animal grupal de defesa, o impulso reptiliano de extermínio do “outro”. Tribalismo, seita, ou, mais benigno, clubismo.

2 Qual é a ideologia do PS e do PSD, este sem conseguir disfarçar a deriva? E dos outros? Os Partidos são centros de interesses – mas que interesses? -, isso sim, lugar de protecção de protecção e agência de emprego e carreira dos sócios. Nem sabem onde sentar-se na AR, ao lado de quais? E a ideologia dos vários verdes? E do PAN, associação mais ou menos esotérica ou pura e simplesmente ridícula? Na hipótese mais benigna são associações como a dos Senhorios ou dos Comerciantes. E o Livre? Uma excreção da ambição juvenil dum associativo universitário que não cresceu (talvez um pouco totó).

3 Ou acham que é por causa da ideologia a tal linha vermelha anti-democrática para enclausurar o Ventura? Qual é a ideologia dele? Nem tem, nem disfarça não ter, o que é, aliás, uma grande vantagem para ele.

E o IL tem? O que significa liberal? O que parece ter é apenas uma ideia vaga, um projecto difuso, numa área de que grita perceber mais do que os outros. Terá, perceberá?

Ou seja, os Partidos nem têm projectos, programas regeneradores, pensados por gente sabedora, experiente, com currículos que inspirem confiança na capacidade para os concretizarem. É afinal o resultado do que temos feito ou deixado fazer de todos nós. Não é por acaso que estamos no lugar em que estamos, com as perspectivas que temos na Europa e no Mundo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

4 A “ideologia” do Ventura é, afinal, enfrentar tudo o que os Partidos que têm desgovernado o País fizeram ou não fizeram e deviam ter feito. Exemplos? Ouçam António Barreto para não ser sempre eu a dizer: “(…) corrupção, nepotismo, desigualdades, burocracia…)”

Eu acrescento: desperdício dos dinheiros públicos, devastação da escola (porventura um dos principais factores do vazio), discriminação cobarde da comunidade cigana, colocando assim contra ela o povo, que ela agride e ameaça, tolerância e promoção dos que geram racismos, deturpação da História de Portugal e inferiorização dos Portugueses (tudo isto acentuado com a geringonça, pois é a agenda do BE), incentivo da dependência do Estado, sufoco fiscal, sacralização conveniente da Constituição etc., etc., etc..

5 O que PS, PSD e os outros combatem é a subida imparável do Chega – não democraticamente, com argumentos, como na democracia ps democratas combatem, mas com linhas vermelhas, acusações inquisitoriais/estalinistas/fascistas, juízo de intenções, bloqueios, tentativas de exclusão da comunicação social.

António Barreto de novo: “A democracia é o regime de todos. Mesmo dos não democratas. Mas qualquer Partido, como o PCP e BE e o Chega, devem ser derrotados nas eleições e no debate, não através de procedimentos anti-democráticos ( …). Acusam o Chega de querer alterar profundamente a Constituição. E daí? Há partidos que votaram contra a Constituição e as suas revisões. Há deputados que chegaram a sugerir que a Constituição fosse substituída por outra. E há centenas de deputados que votaram sete revisões, duas das quais alteraram os equilíbrios políticos do país. Para tudo isto, foi necessário querer alterar a Constituição, sem que daí viesse mal ao mundo, a não ser os eternos comunistas que alertavam contra os “golpes constitucionais”.

O Chega e a IL fizeram avançar a Democracia, agitar, espero, o choco e o aconchego da mediocridade partidária e institucional que mantém o País na pobreza e dependência, é um facto – é o que tenho chamado o “efeito Chega”. Como diz AB, “democracia que entre nós talvez agora possa começar a sê-lo gradualmente…”

Quando PS, PSD, os partidos, varrerem o lixo acumulado dentro deles. E o País acordar.

* Chantal Mouffe, Por um Populismo de Esquerda, Prefácio de José Neves, Gradiva, 2019.
** “As Fronteiras da Democracia”, Público, 12 de fevereiro.