Antes de nos indignarmos é preciso pensar
Edgar Morin, Março 2022

1 Pequim, 21 de fevereiro de 1972. O encontro entre Mao Tsé-Tung e Richard Nixon, cozinhado por Kissinger e Chu En Lai desde 1971, que restabeleceu as relações bilaterais entre a China e os Estados Unidos, realizava a triangulação que deu início à “semana que mudou o mundo”, redefinindo a rota geopolítica e económica mundial, com consequências no desenvolvimento chinês e global… cercando e isolando a URSS.

Hoje, com o Acordo de Cooperação Conjunto Sino-Russo, assinado em 4 de fevereiro na abertura das Olimpíadas de Inverno de Pequim – declaração sobre a cooperação sino-russa abrangendo um amplo leque de interesses comuns e de compromissos, designadamente no domínio das mudanças climáticas, a saúde global, cooperação económica, política comercial e quadro regional geo-estratégico – a China promove triangulação idêntica, tendo em vista a disputa da hegemonia aos EUA, que terão percebido obviamente a intenção.

O que a China seguramente não previra é que dois meses depois a Rússia invadiria a Ucrânia, criando um gravíssimo problema e desafio a Xi Jinping, o arquitecto da estratégia.

A China nunca poderia apoiar a invasão da Ucrânia, pois isso contrariaria a sua posição secular de defesa da soberania dos Estados. Sendo conveniente neste imbróglio ter presente que a Rússia é o mais antigo inimigo militar da China, a ameaça mais antiga às suas fronteiras, em que não confia e com quem nunca se aliará belicamente.

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Um apoio nos termos desse acordo a Putin no conflito – tendo em conta que a Rússia depende absolutamente da China para continuar a guerra – isolaria a China, pararia o seu crescimento e o desenvolvimento triunfantes, afectaria ou inviabilizaria mesmo as suas aspirações a um papel relevante na ordem internacional, que começa a verificar-se, o seu “rejuvenescimento”, almejado e prometido por todos os grandes líderes desde 1911. Atirando Xi Jiping, se não o regime, para o destino de Putin.

O conflito da Ucrânia, depois da assinatura daquele compromisso, coloca, pois, Xi Jinping num grande embaraço. A única opção para ele – a preparar a nomeação para um inédito terceiro mandato, daqui a dois meses – é travar a Rússia na invasão, assumindo ou não a mediação pública, ou rasgar o Acordo de Cooperação assinado com Putin. É a esta luz que deve ser compreendida a posição prudente da pragmática e competente diplomacia chinesa.

2 É consenso geral que a invasão da Ucrânia foi uma tolice imensa e que será o fim de Putin.

Mas Putin não pode ser assim tão tolo (por mais ressentido a ávido de poder que seja), os seus Serviços Secretos tão incompetentes, as elites e líderes políticos russos tão suicidas para terem incorrido em tal erro e enormidade.

3 O Professor Stephen Roach, da Universidade de Yale vai no sentido da minha interpretação, tal como acabo de ler no seu artigo “Only China can stop Russa” (que li agora num bem informado jornal digital publicado em Hong Kong, mas com origem em Taiwan).

A invasão da Ucrânia colocou a China numa posição delicada, ideia transmitida por duas reuniões recentes do Conselho Consultivo do Partido Comunista da China. Não houve nelas, estranhamente , qualquer referência ao conflito na Ucrânia, à preocupação duma disrupção na ordem mundial. Omissão gritante sabendo-se, repito a importância para a China e o regime do princípio da não interferência externa na soberania dos Estados. Na Conferência de Segurança de Munique no mês passado, o ministro das Relações Exteriores Wang Yi enfatizou a defesa secular da China desse princípio – algo que remete para a questão de Taiwan.