O fim de três anos de incerteza, depois do referendo de 2016: eis o que, um dia, talvez pareça mais importante nas eleições britânicas de ontem. Mas antes disso, estas eleições são uma grande vitória de Boris Johnson. O primeiro ministro britânico foi, durante meses, facciosamente caluniado como palhaço, isolacionista, e racista, numa campanha a que a idiotice internacional deu um eco canino. Acontece que Johnson não só não é nada disso, como estava certo. Estava certo quando disse que era possível conseguir um melhor acordo de saída da UE, e estava certo quando apostou que o país queria uma decisão clara sobre o Brexit, e não a hesitação e a confusão dos seus rivais.
O que Boris Johnson conseguiu deve medir-se em relação ao que ainda parecia possível no princípio do Verão. Em Maio, nas eleições europeias, o Brexit Party de Nigel Farage tornou-se o partido mais votado no Reino Unido, com 30,5% dos votos. A política britânica ameaçava então acompanhar a deriva nacionalista representada por Marine Le Pen em França, a Liga na Itália ou a AfD na Alemanha. Ao mesmo tempo, discutia-se uma geringonça entre o nacionalismo escocês e um Partido Trabalhista transformado numa espécie de Podemos, com um programa de expropriações e impostos altos. Ontem, Boris Johnson dissipou estas nuvens. O Brexit Party desapareceu. O Partido Trabalhista teve um dos piores resultados desde 1935. Numa Europa com governos sem maioria e sistemas partidários subvertidos, o Reino Unido é agora governado por um dos seus partidos tradicionais com uma grande maioria parlamentar. Não está nada mal, para um “palhaço”.
É claro que podemos notar que o acordo de saída é apenas a primeira fase do Brexit, e que há fracturas à vista na Escócia e também na Irlanda do Norte. Sim, ainda há muito a negociar no Brexit. Mas talvez esta primeira fase, pelo seu simbolismo, seja a mais importante de todas, aquela em que o sistema político precisava de demonstrar aos eleitores que os ouviu. E quanto à relação entre os componentes do Reino Unido, um governo assente numa forte maioria unionista, como o actual, será sempre um factor de maior coesão do que um governo minoritário dependente do voto dos nacionalistas, como teria sido uma qualquer aventura ministerial de Jeremy Corbyn.
O Partido Conservador teve o seu melhor resultado desde 1987. Boris Johnson retomou o esforço de Margaret Thatcher para transformar o conservadorismo num movimento popular e nacional, que agora entrou em força nos meios operários do norte do país, tradicionalmente trabalhistas. O que o “one-nation conservatism” de Johnson tem pela frente não é fácil nem óbvio. Vai ter de combinar a libertação da economia com a protecção social. Mas como nenhum partido alguma vez recuperou na eleição seguinte depois de uma derrota como a que os Trabalhistas sofreram agora, talvez Johnson tenha dez anos de governo para encontrar e experimentar soluções. Sim, é muito pouco provável que descubra a resposta para todas as ansiedades ocidentais, tanto as inspiradas pelas mudanças demográficas (envelhecimento e migrações), como pelas tecnológicas. Mas não é impossível que a UE venha a ter na sua vizinhança, do outro lado da Mancha, a prova de que as economias não têm de ser estranguladas por regulação e impostos, ou a demonstração de que as democracias não estão destinadas a ser subvertidas pelo radicalismo de novos partidos. Talvez o Reino Unido, como exemplo, venha a ter mais impacto na UE agora, que está de fora, do que antes, quando estava dentro.