1 Pode parecer uma coisa de somenos, um pormenor irrelevante. Mas não é. De todo em todo. Falo da importância que um líder da oposição tem em qualquer sistema democrático, nomeadamente quando o Governo se encontra num contexto de maioria absoluta.

Ter um líder da oposição credível, que critique e escrutine com propriedade, ao mesmo tempo que aponta alternativas, é quase tão importante como ter um bom primeiro-ministro que governe o país de acordo com o mandato que recebeu da comunidade.

Podemos dizer que Luís Montenegro está a fazer esse trabalho. Face à verdadeira farsa que foram os quatro anos de Rui Rio, podemos dizer: finalmente, temos um líder da oposição! E esse é o maior elogio que se pode fazer no final dos 100 dias da sua liderança do PSD que se comemoram esta 2.ª feira.

2 Num contexto de maioria absoluta, é fundamental que o principal partido da oposição esteja muito atento à ação do Governo. Que tenha um trabalho diário de escrutínio, que esteja bem preparado quando tem de atuar no espaço público ou no espaço parlamentar e que critique quando há razões para censurar o Executivo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nas mais diferentes áreas e temas que marcaram a agenda política durante os últimos 100 dias, o PSD de Luís Montenegro mostrou estar atento à evolução da economia, ao desnorte do setor da saúde, à desorganização na educação com a falta de professores que está a prejudicar dezenas de milhar de alunos ou às habilidades de António Costa com a Segurança Social e a revisão da fórmula de cálculo das pensões.

Seguindo precisamente as boas práticas que o PS tem quando está oposição, o PSD de Montenegro tem ‘andado em cima’ dos muitos casos que têm marcado a imagem do Governo desde março. Tem exigido explicações imediatas aos membros do Executivo envolvidos, cumprindo assim o principal trabalho de um partido da oposição: escrutinar.

Essa é a distinção essencial face ao seu antecessor: Montenegro não quer ser vice-presidente de António Costa, quer conquistar o poder nas urnas para substituir Costa como primeiro-ministro.

3 A oposição intensa não impede, contudo, que o PSD não possa dialogar com o Governo quando estão em causa questões estruturais para o país, como acontece com a localização do Novo Aeroporto Internacional de Lisboa.

Luís Montenegro faz bem em ter esse diálogo. Não só o credibiliza como um político responsável, que coloca os interesses do país acima dos interesses partidários, como fortalece o seu estatuto de candidato a primeiro-ministro.

O mesmo se diga sobre as diferentes propostas que já apresentou ao país, com destaque para o Programa de Emergência Social que foi apresentado antes do plano anti-inflação do Governo. A redução do IRS em diversos escalões e do IVA no gás, eletricidade e combustíveis, assim como um vale alimentar até ao 3.º escalão do IRS representavam medidas positivas.

Aliás, o PSD tem apresentado diversas propostas de redução fiscal — nomeadamente da fixação de 15% como taxa máxima do IRS para os jovens até aos 35 anos ou da redução transversal do IRC até 17% até 2024 — que revela uma aposta estrutural correta no fim do garrote fiscal que impede o país de crescer e de investir.

É irrelevante que o PS não tenha seguido essas propostas. Isso faz parte da dialética democrática entre o Governo e a oposição. Mas no caso em apreço, a crítica feroz que o PS faz às propostas do PSD só credibiliza o principal partido da oposição como a verdadeira alternativa aos socialistas.

4 Outro ponto positivo tem sido a união interna que a liderança de Luís Montenegro conseguiu construir. Com a exceção de alguns zunzuns em episódios concretos (como o apoio ao Chega e à Iniciativa Liberal para elegerem os seus representantes para a vice-presidência do Parlamento), a oposição interna a Montenegro praticamente não tem existido.

Isso deve-se muito ao facto de a direção nacional ser efetivamente plural e de a liderança da bancada parlamentar também incluir ex-rioístas — e outros (como André Coelho Lima) terem o seu espaço de intervenção.

O mais importante, contudo, foi a renovação geracional que Montenegro promoveu na direção nacional. O PSD tem hoje responsáveis entre os 33 anos de Balseiro Lopes e os 54 anos de Paulo Rangel que estão sintonizados com o presente e com o futuro, que estão a par dos grandes problemas do mundo e das diferentes soluções que se colocam em prática no mundo moderno.

Numa palavra, a direção do PSD deixou de ser provinciana, autoritária e revanchista.

Ter um líder parlamentar como Joaquim Miranda Sarmento, um secretário-geral como Hugo Soares ou vice-presidentes como Paulo Rangel, Miguel Pinto Luz, Margarida Balseiro Lopes ou António Leitão Amaro; ou Pedro Duarte como coordenador do Conselho Estratégico Nacional ou Pedro Reis como coordenador do movimento Acreditar — todos estes nomes significam uma lufada de ar fresco face à esmagadora maioria das figuras que representaram o PSD durante quatro longos e penosos anos.

5 Podemos dizer que os primeiros objetivos foram atingidos: assumir o papel de líder da oposição, credibilizar o PSD e colocar o partido a crescer nas sondagens. O mais difícil, contudo, ainda está por fazer.

A grande missão de qualquer líder do PSD é chegar a primeiro-ministro e Luís Montenegro não foge à regra. Para tal, precisará de construir uma alternativa.

Melhor: terá de construir uma maioria social e política que apoie um verdadeiro projeto reformador para o país.

Um projeto que permita promover um crescimento económico sustentável que não represente apenas uma ligeira subida face à média europeia. Com os mais de 20 anos de estagnação económica que Portugal já leva, isso não chega. É preciso rivalizar com os países do leste e do báltico que são os nossos principais concorrentes económicos dentro do espaço da União Europeia (UE).

Mais do que evitar que continuemos a descer no ranking da UE em termos de riqueza per capita (estamos a caminho do 22.º lugar em 27 países), temos de voltar, para já, a ter o objetivo de regressar ao 15.º lugar que já ocupamos, como Cavaco Silva recentemente apontou.

Para tal, precisamos de um novo modelo económico que não anda muito longe do que foi construído na Polónia, na Hungria, na República Checa, Lituânia, Estónia, Letónia.

Ou seja, temos de ser competitivos em termos fiscais para conseguirmos atrair investimento com valor acrescentado e reter mão de obra qualificada, temos de aumentar a nossa produtividade para conseguirmos ter melhores salários e temos de ter um Estado mais pequeno, operacional e eficiente.

6 Para conseguir a tal maioria política e social, o PSD vai ter que reconquistar muito eleitorado que se afastou do partido desde 2015 — ano em que o PSD e o CDS ganharam as eleições mas perderam o poder.

Desde logo os pensionistas porque sempre foi um eleitorado fundamental do PSD. O facto de finalmente o PS ter assumido o problema da sustentabilidade da Segurança Social, representa uma oportunidade de ouro, como Luís Montenegro percebeu desde o início.

As políticas do PSD também têm de seduzir os jovens urbanos (que fugiram para a Iniciativa Liberal) e os trabalhadores da administração pública.

O PSD afastou os pensionistas, os jovens e os trabalhadores da função pública mas, acima de tudo, promoveu o crescimento da Iniciativa Liberal e do Chega com um posicionamento profundamente errado de centro-esquerda aplicado por Rui Rio.

Esse posicionamento foi corrigido, sem grandes alaridos ou discussões ideológicas, por Luís Montenegro. Por muito que se chame “social-democrata” por anacronismo histórico, o PSD sempre foi o grande partido do eleitorado do centro-direita português. Sempre teve liberais, conservadores e, claro, social-democratas. Essas são três famílias do PSD — e que têm de ser reconquistadas.

Se Luís Montenegro vai conseguir reconquistar o eleitorado perdido, se irá conseguir conquistar uma maioria absoluta (objetivo muito difícil) ou construir uma maioria com outros partidos (objetivo mais provável) — só o tempo dirá. Para já, o início é promissor.

PS: Não passou despercebida a extraordinária coincidência das narrativas apresentadas por Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Moedas durante os discursos no 5 de Outubro. Moedas tentou ensaiar o papel de líder de oposição, ao pedir “mais audácia” ao Governo, e Marcelo até chegou a citar o presidente da Câmara de Lisboa na recusa da resignação.

Um comentário breve: nem Marcelo tem de se preocupar com o PSD (o papel de líder de oposição está bem entregue a Luís Montenegro), nem Carlos Moedas deve distrair-se da sua missão de ser um bom autarca.

Numa altura em que os casos se sucedem no Governo e em que a recessão e a crise económica pode mesmo chegar em 2023, o Presidente da República deve focar-se em António Costa e no seu Governo.

E, já agora, evitar telefonar a determinados suspeitos para avisá-los de que estão a ser alvo de investigações criminais; mais do que católico, Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente de uma República laica em que vigora o princípio da separação de poderes.

Já Carlos Moedas tem muito para fazer em Lisboa (na habitação, na mobilidade, na recolha do lixo, na segurança, etc.), de forma a conseguir conquistar a maioria absoluta nas próximas autárquicas.