Em 2016, não votei Marcelo. Apoiava já Henrique Neto, companheiro de acções cívicas, quando Marcelo Rebelo de Sousa avançou. Naturalmente nunca iria mudar, mas havia também qualquer coisa na candidatura de Marcelo que me permitia divergir. Num programa de debate da SIC-Notícias, perguntado sobre a minha posição, expliquei como Henrique Neto tinha um programa focado nos problemas do país, enquanto Marcelo – dizia eu, torcendo o nariz ao seu lançamento em Celorico de Basto – “falou-nos de afectos”. Parecia-me poucochinho.

Enganei-me redondamente. Não é por Marcelo ter ganho; ganharia sempre. É por Marcelo, na verdade, ter mostrado e demonstrar a centralidade dos afectos na política, mais ainda no lugar e na função de Presidente da República. Se vivêssemos em monarquia e a Marcelo fosse dado um cognome, seriam, por esta ordem, “Marcelo, o Inteligente”, “Marcelo, o Afectuoso”, “Marcelo, o Hiperactivo”.

Os afectos, que ocuparam lugar principal no seu programa, fizeram muito bem ao país. Em são juízo, não os podemos desdenhar. Podemos ter inveja, achar excessivo, tentar desvalorizar, mas, se temos noção do que estamos a falar, não podemos ignorar duas coisas: primeira, os afectos foram e são o primeiro instrumento e o primeiro alicerce da independência política do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa; segunda, são o mais poderoso êxito e o mais rico legado deste seu primeiro mandato presidencial.

Os afectos não são apenas a enxurrada de selfies, que só mostram como o nosso Presidente, aos 72 anos, é tecnologicamente muito actualizado. São milhares de expressões genuínas de proximidade, de empatia, de identificação, de interesse, de atenção, de cumplicidade, de dor, de alegria, de compaixão, de ânimo, de encorajamento, que preencheram todos os dias destes quase cinco anos de mandato presidencial. É um manual de como bem fazer pela presença, pela palavra e pelo gesto – uma pura doação pessoal de gratuitidade, tão necessária e tão eficaz.

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Há fotografias extraordinárias deste estilo que nunca tivéramos, desde uma conversa furtiva com um grupo de jovens numa praia em Cascais ao abraço dorido às vítimas dos terríveis incêndios de 2017. São aos milhares os registos evidentes e dos mais variados de proximidade emocional com os portugueses. Todos gostamos disso quando é connosco; não há a menor razão para querermos que não seja assim com os outros.

Marcelo não o fez apenas em Portugal, praticamente em todos recantos, até à remota e pequena ilha do Corvo. Fê-lo na antiga África portuguesa, pisando o solo como chão comum, abraçando as gentes e deixando-se abraçar como família – parte do melhor que nos lega. E fê-lo ainda nas comunidades portuguesas no estrangeiro, em variadas circunstâncias: sempre exuberantes momentos de reencontro. A chave? Os afectos, mais do que apenas os discursos. Marcelo acrescentou essa dimensão calorosa à função presidencial, também na presença externa. E fez bem: fez bem a ele, fez bem a nós e fez bem a Portugal.

Esse é o fio principal que o une directamente a uma vastíssima multidão de portugueses, completamente por fora dos partidos, das corporações e dos grupos de interesses. Esse é, para ele e para nós, a maior garantia da absoluta independência como Presidente da República. Que mais podemos nós querer? Talvez haja quem gostasse de mandar nele. É natural. Mas, não se podendo mandar nele, que mais podemos querer senão que ninguém possa mandar nele? Que mais podemos querer do que um Presidente do nosso campo de valores e princípios, que não depende de ninguém, que não se deixa cercar, nem condicionar, que não depende de partidos, nem de coligações e também não tem partidos, nem coligações a depender de si, e que só se deixa impressionar pela razão daquilo que, em consciência, se convence ou é convencido?

Estando eu a fazer a viagem de quem não votou nele em 2016 e agora o apoia convictamente, admiro-me ao cruzar-me na estrada com quem vem em sentido contrário: os que, afirmando-se de direita, dizem ter votado nele em 2016 e, agora, dizem, não o farão. No quadro das candidaturas existentes, já me espanta os que, de centro e direita, o não apoiassem em 2016 e, agora, também não; mas os que dizem rejeitá-lo, depois de o terem apoiado há cinco anos, é coisa, para mim, destituída de sentido político substancial. Claro que a política também é feita de humores e de gostos – e cada um tem direito aos seus. Mas não estou a falar disso. Estou a falar da política como processo de construção do futuro e do presente do país e, nisso, da responsabilidade individual de cada um de nós.

O que se lê nas redes sociais e nas caixas de comentários, ou nos desabafos radiofónicos, é a expressão da direita das reprimendas. Com alguma prosápia e bastante sobranceria, com enfatuado desdém e quase alergia, com hiper-exigência e inflexível inclemência, Marcelo é censurado por tudo o que fez e não fez, ao mesmo tempo que, em textos mais sofisticados, se constroem elaboradas teses estratégicas sobre outros possíveis candidatos e outros votos, incluindo em branco.

O erro principal de perspectiva é ainda o pecado original do “ganhámos as eleições de 2015”, fábula terrível em que boa parte da direita continua enredada – e perdida. Tem sido a fonte de todos os consecutivos erros estratégicos desde então, empurrando-nos para derrotas sucessivas – e persiste. Já escrevi várias vezes sobre isso. Quem acreditou que a PàF “ganhou” realmente as eleições de 2015 e Costa era um primeiro-ministro “ilegítimo” construiu provavelmente a ideia de que Marcelo o iria deitar abaixo, feito cavaleiro andante contra a geringonça. Quem pensou assim está compreensivelmente desapontado. Mas Marcelo nunca o poderia fazer – além de que sempre preveniu que não o faria.

O Presidente da República não é um chefe partidário, mas órgão unipessoal de representação inclusiva: o Presidente de todos os portugueses. Não deve pôr-se ao serviço de um partido ou da sua agenda. E, neste caso, mesmo que Marcelo o quisesse e fizesse, seria estrondosamente derrotado pela própria democracia. Porquê? Porque não tinha maioria para isso. A maioria estava com a esquerda, a PàF não tinha ganho as eleições. Esse conflito, além de contrário ao papel constitucional do Presidente e à democracia, estaria, política e aritmeticamente, votado ao fracasso, à humilhação e ao vexame. Estaríamos hoje muito pior do que estamos: com maioria de esquerda (porventura ainda maior) e sem Presidente, ou um Presidente encurralado e de rastos.

A direita não pode esperar que o Presidente faça o que só a direita pode fazer nas suas eleições (legislativas e autárquicas). Não está certo parte da direita censurar Marcelo por não afrontar a esquerda para a repor no poder. O Presidente não é a Uber dos comentadores à direita. Essas críticas devem ser endereçadas aos partidos de direita pelos seus erros e insucessos seguidos, deixando o seu eleitorado sem representação capaz e o Presidente isolado.

Este primeiro mandato de Marcelo tem sido como “Tintim no país dos sovietes”: Marcelo no país da geringonça. Só se pode saudar que não tenha sido tragado e antes conseguisse reforçar capacidade de influência, assumir alguma liderança e consolidar as condições de reeleição. No meio de tanta asneira e deterioração no campo do centro e da direita, é exagerar o descaramento focar no Presidente a responsabilidade pelos efeitos políticos da maioria de esquerda. Marcelo tem sido a única coisa positiva e esperançosa que aconteceu ao centro e à direita desde 2015 – deu-nos sempre um referente seguro. Os partidos têm-nos reservado fragmentação, espírito de facção, incapacidade estratégica, derrotas consecutivas: perda do governo em 2015, derrota nas autárquicas em 2017, derrota nas europeias de 2019 e derrota nas legislativas de 2019 (pior ainda do que em 2015). E, nas sondagens, onde pára a direita? Há o sobe-e-desce habitual, mas a esquerda sempre largamente maioritária e a direita muito fraca.

Só por estrabismo estratégico, alguns que se dizem de direita resolvem embirrar com Marcelo. No calendário político por diante, esta eleição presidencial é a única que o centro e a direita poderiam considerar ganha. Não causaria preocupações. São as eleições autárquicas que merecem prioridade de esforço, atenção e trabalho, para não serem perdidas outra vez como em 2013 e 2017. Vencer as autárquicas de 2021 é que é determinante para abrir uma nova dinâmica política na sociedade portuguesa e colocar o centro e a direita em rampa ascendente para as próximas eleições para a Assembleia da República. Isso é que é correr para ganhar. Desviar o foco, seguir o fado da direita das reprimendas, que se aponta na primeira linha para perder as presidenciais, é disputar aos franceses o pouco invejável título de uma velha disputa: “a direita mais estúpida do mundo”. Nesse debate francês, há um livro dos anos 80 que parece estar a olhar para nós: «Que le meilleur perde: éloge de la défaite en politique», de Frédéric Bon e Michel-Antoine Burnier. Traduzindo: “Que o melhor perca: elogio da derrota em política”.

Querem outro governo? Querem outro primeiro-ministro? Muito bem. Mas não é esta a eleição. E convém não estragar mais as condições para lá chegar, quando for a hora.

É espantoso como PSD e CDS deixaram chegar a este ponto de aparente indefinição a escolha estratégica para estas presidenciais, com muitas vozes dentro de si (mais no CDS) a alimentar animosidade contra Marcelo. É compreensível que, partidos novos, Chega e IL apresentem candidatos próprios, buscando a oportunidade de nova contagem e afirmação e espreitando a possibilidade de somar votos de outras origens. É fútil, fátuo e ilusório – porque a contagem real faz-se sempre nas legislativas, regionais e autárquicas –, mas é uma futilidade compreensível. Já para PSD e CDS, partidos com 45 anos de história, não se consegue entender tanta fantasia e desmazelo estratégico ao alimentar, meses a fio, quimeras de candidatos próprios por parte de sectores desde Mesquita Nunes a vozes da ala mais à direita do CDS. Ora, nem o CDS é a IL ou o Chega, nem as eleições presidenciais são uma passagem de modelos.

Aquilo de que PSD e CDS têm de se ocupar é da mobilização geral do seu eleitorado, explicando o acerto do voto em Marcelo e vencendo e convencendo os cépticos e desapontados. A tarefa ao centro e à direita, daqui até 24 de Janeiro, é explicar por que é que o voto Marcelo é o voto necessário e o voto inteligente; que, se puder ter 70%, que tenha 70%; que é o momento de começar a reunir forças e não a dividir; que, sendo tempo de vencer, é hora de vencer com tanta força democrática quanta for possível. Essa mobilização não é tão necessária para Marcelo, mas é absolutamente indispensável para o centro e a direita.

É dessa mobilização que dependerá boa parte do balanço para as autárquicas lá mais para Outubro e para as legislativas quando vierem. Se os partidos da área política do Presidente perderem o comboio Marcelo, só poderão queixar-se de si próprios. E, se as vozes da direita das reprimendas prolongarem a preponderância da esquerda no tabuleiro e no cenário, é a si, não a Marcelo, que o dedo deve ser apontado: prosápia, erro, inconsequência.

Claro que há aspectos com que podemos não concordar. Apoiar o Presidente não é o mesmo que ser tolo e acrítico. Se há actos e decisões do Presidente de que discordamos, isso deve ser significado com absoluta clareza e absoluta lealdade. O sistema político só ganha com isso e creio que Marcelo Rebelo de Sousa agradece. É preciso que a opinião pública nunca deixe de se exprimir. Quem diverge deve manifestá-lo com o vigor que seja necessário. Houve, infelizmente, momentos assim neste mandato. Mas nenhum apagou o essencial.

Em 2005, como Presidente do CDS, decidi, embora com forte oposição de um sector do partido, o apoio a Cavaco Silva. Contribuí, assim como o CDS, para a eleição de Cavaco logo à primeira volta, em Janeiro de 2006, inaugurando uma época de Presidentes da República de centro-direita. Nunca tínhamos tido. A partir daí, os candidatos de centro-direita têm ganho sempre. Nem tudo é perfeito, mas tem sido muito melhor do que se tivesse sido ao contrário. Basta rever o passado recente, recordar as maiorias parlamentares deste período e os outros candidatos presidenciais de 2006, 2011 e 2016, para constatarmos como estaríamos muito mal se Cavaco e Marcelo não têm vencido e, em lugar deles, tivessem sido eleitos os principais contendores. Por favor, não brinquemos com coisas sérias.

Marcelo cuidou, como ninguém cuidaria melhor, da crise dos incêndios. Terrível! Crise tremenda, esse 2017. Poderia ter-se resguardado, para não se queimar. Mas atirou-se para a frente, com solicitude e humanidade. Devo-lhe, pessoalmente, como português, esse obrigado comovido. Marcou com selos de presença as traves mestras da nossa política externa. Mostrou independência e critério próprio nos vetos que emitiu. Não regateou ao governo as condições necessárias para fazer frente à pandemia. Calcorreou o território, enlaçando proximidade com os portugueses de todo o lado. Riu e comoveu-se, soube brincar e ser solene. Nunca renegou as suas origens e a sua pertença, mas rejeitou ser Presidente de facção. Defendeu a estabilidade. Deixou-nos momentos políticos muito divertidos – e importantes – como aquele diálogo inesquecível com Donald Trump na Casa Branca. Valorizou o Conselho de Estado, como nunca fora imaginado, trazendo altos responsáveis internacionais à sua reflexão e debate. Enobreceu e valorizou as celebrações do 10 de Junho, com um modelo original nacional/internacional, como nunca fora feito. Puxou pelas Forças Armadas. Abriu o Palácio de Belém à cultura e à ciência. E, sobretudo, em todas as suas presenças mais marcantes, fosse em cerimónias, fosse junto dos populares, foi um intérprete autêntico de patriotismo.

Em 9 de Março de 2021, quando o próximo Presidente tomar posse na Assembleia da República, quero poder ouvir outra vez ou recordar mentalmente, as mesmas palavras com que Marcelo Rebelo de Sousa iniciou este mandato:

«Portugal é a razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir.

Aqui nasci, aqui aprendi com meus Pais a falar a língua que nos une e une a centenas de milhões por todo o mundo. Aqui eduquei os meus filhos e espero ver crescer os meus netos.

Aqui se criaram e sempre viverão comigo aqueles sentimentos que não sabemos definir, mas que nos ligam a todos os Portugueses. Amor à terra, saudade, doçura no falar, comunhão no vibrar, generosidade na inclusão, crença em milagres de Ourique, heroísmo nos instantes decisivos.

É para Portugal, para cada Portuguesa e para cada Português que vai o meu primeiro e decisivo pensamento. Feito de memória, lealdade, afecto, fidelidade a um destino comum.»