Às vezes interrogo-me sobre quais as vantagens e desvantagens de ter académicos no Governo. As desvantagens são óbvias. São geralmente pessoas que não têm experiência de liderança de equipas, essencial num ministério ou secretaria de Estado. Estão habituadas a ter tempo para pensar, o que dificilmente encontrarão nos ministérios. E, se calhar mais importante, estão habituadas a especular e a testar várias hipóteses até acertar com a resposta, o que obviamente deixam de poder fazer.
Também encontro algumas vantagens. Têm uma boa profissão à sua espera quando saírem do Governo; a liberdade de poder virar as costas e bater com a porta dá-lhes independência. Muitos académicos estão habituados a trabalhar 60, 70 ou 80 horas por semana durante semanas a fio, o que pode ser útil em determinadas alturas. Deseja-se também que conheçam as pastas que vão liderar. Mas o que mais se espera de um académico é seriedade intelectual.
Por exemplo, nunca um académico diria que o aumento de colocados no Ensino Superior “representa a morte de um modelo de desenvolvimento que a direita quis impor no país, um país sem salários, sem direitos e sem Estado social”. (Alegação particularmente absurda se nos lembrarmos que o número de candidatos tem vindo a subir desde 2014.) Essa seriedade nota-se em detalhes. Por exemplo, nunca ouvimos, nem ouviremos, o ministro da Economia, Caldeira Cabral, a dizer que a subida das exportações é mérito do Governo. Tal como não o ouviremos dizer que é o Governo que cria empregos.
Confesso que já nada esperava do ministro das Finanças. Ao vê-lo num Governo que faz sistematicamente o oposto daquilo que Centeno defendeu durante décadas, dava-o como perdido. Mas, esta semana, Centeno surpreendeu-nos por duas vezes com a sua inusitada candura.
Surpreendeu-nos quando reconheceu que não podia afirmar que os portugueses pagariam menos impostos. Na verdade, reconheceu o óbvio: há impostos directos e indirectos; como a economia não cresce, se não aumentam os impostos directos então terão de aumentar os indirectos. Ou seja, os impostos sobre o consumo, como os impostos sobre os combustíveis. Que seja um Governo de esquerda a optar por este tipo de fiscalidade é mais uma idiossincrasia portuguesa.
Voltou a surpreender todos quando, há dois dias, numa entrevista à CNBC, à pergunta sobre se ia fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para evitar um segundo resgate, respondeu que sim. Ou seja, reconheceu que o segundo resgate era uma possibilidade real. E, quando lhe perguntaram o que faria se a Comissão Europeia lhe exigisse ajustamentos aos seus esforços, respondeu que os faria, tal como já o tinha feito no Orçamento do Estado de 2016. Ou seja, se as reversões deste ano foram pagas com impostos indirectos, para o ano acontecerá o mesmo.
Apesar do optimismo irritante do primeiro-ministro, ficámos a saber que há quem no Governo tenha consciência de que o risco de um segundo resgate (que seria o quarto em democracia) é real. Mário Centeno pode ser politicamente inábil e trapalhão, mas, ao menos, não nega a realidade. O risco de necessitarmos de um novo resgate existe. Basta que o Banco Central Europeu deixe de apoiar a nossa dívida pública no mercado secundário; o que acontecerá se a agência de notação financeira DBRS baixar a classificação que nos atribui. Na semana em que a ARC Ratings colocou a nossa dívida sob vigilância negativa, negar esta possibilidade é estúpido.
Mas, mesmo sem quaisquer agências de rating, bastaria ver como o diferencial entre as taxas de juro portuguesas e as de qualquer outro país relevante têm aumentado ao longo dos últimos 18 meses para entender que os mercados atribuem um risco cada vez maior ao nosso país. Num ano e meio, sem que o BCE o conseguisse contrariar, a diferença entre a taxa de juro da dívida portuguesa e a espanhola foi multiplicada por cinco, tendo aumentado de 0,4 para 2,2 pontos percentuais.
Podemos discutir se o risco de um segundo resgate é elevado ou baixo, mas, com seriedade intelectual, não podemos negar que existe. Quanto a Mário Centeno, podem acusá-lo de ingenuidade, mas não de desonestidade. E não merece castigo quem diz a verdade.