Não ser crime não é sinónimo de ser aceitável. Encontro-me entre aqueles que consideram a investigação a Mário Centeno absurda. Não acredito que o pedido de lugares para ver um jogo de futebol seja motivo para achar que Mário Centeno meteu uma cunha para apressar a decisão de um pedido de isenção de IMI por parte de um dos filhos de Luís Filipe Vieira. E, a não ser que haja fundamentos que não tenham ainda vindo a público, não considero razoável que se tenha acesso aos emails do Ministério das Finanças.

Nesse sentido, até simpatizo com as declarações de desafio de António Costa, que disse que, mesmo que Mário Centeno fosse constituído arguido com base nisto, continuaria como ministro das Finanças. Mas, claro, mesmo António Costa sabe que tal não será possível: é inviável ter um ministro das Finanças arguido num processo de cunha fiscal.

Uma situação similar passou-se em relação aos ex-secretários de Estado que foram às custas da GALP ver Portugal jogar a França, durante o campeonato europeu de futebol. Não acredito que tenham sido corrompidos por isso, a sua constituição como arguidos surpreendeu-me. Mas, evidentemente, a sua continuidade no governo era impossível.

No entanto, o facto de considerar que esta investigação do Ministério Público a Mário Centeno — repito, a confirmar-se que os factos relevantes envolvendo o ministro sejam os conhecidos — não tem ponta por onde se lhe pegue, tal não me leva a dizer que não tem mal nenhum um ministro solicitar entradas para um jogo de futebol. Está na altura de se entender que pessoas em determinados cargos não devem receber prendas de nenhuma empresa. A ser verdade que Mário Centeno deixou de poder usar o seu lugar cativo no Estádio da Luz desde que foi para o governo, então os seus serviços de segurança que falem com os serviços do Benfica para encontrar uma solução permanente. O ministro andar a solicitar idas ao futebol, não. Até porque, em Portugal, com a sua a cultura do favorzinho, do empurrãozinho e da palavrinha, isso pode facilmente levar-nos a levantar o sobrolho.

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Politicamente, a regra devia ser simples: tem um cargo de poder? Então não pede nem aceita nada de ninguém que possa estar em posição de fazer ou pedir um jeitinho. Ponto. Mais simples não é possível. Se um polícia me multar por mau estacionamento, eu posso tentar pedir ao polícia para fechar os olhos. Um ministro, ou um secretário de estado, não.

Nestas alturas aparece sempre quem venha alertar contra os populismos e argumentar que qualquer dia já ninguém nos quer governar. Mas, a realidade não parece confirmar estes temores. Os países onde os padrões éticos são mais apertados não têm visto a qualidade dos seus ministros cair. Olhe-se para a Suécia, por exemplo.

Neste assunto, confesso, o que mais me admira é ver gente com responsabilidades públicas a gostar de se fazer fotografar junto de dirigentes desportivos. Ainda não perceberam que estas pessoas não são nada recomendáveis? Que se arriscam a aparecer ao lado de alguém que, pouco tempo depois, será acusadas de fraude fiscal, compra de árbitros, resultados manipulados, fraude nas apostas, ou tráfico de influências?