Há assuntos que podem ser impopulares, mas têm de ser abordados. Um deles são os acontecimentos da semana passada na Venezuela. Na terça-feira, Juan Guaidó foi libertar Leopoldo López – preso domiciliário do regime de Maduro – com pompa e circunstância, anunciou num vídeo no twitter que “o momento” era “agora”. Pediu aos militares (aparentemente agora do seu lado) que se juntassem na base militar la Carlota e à população que fosse para as ruas de Caracas, para que a Assembleia Nacional, liderada por si, finalmente recuperasse o poder usurpado.
Quem tem verdadeiro apego à democracia e, principalmente, à preservação da vida humana, ficou em suspenso. Os venezuelanos precisam urgentemente de um novo regime e com esse novo regime, de um recomeço, para que lhe sejam devolvidas as mais elementares condições de dignidade.
Mas em vez do que esperávamos, tivemos, no dia a seguir, uma conferência de imprensa do secretário de estado norte-americano, Mike Pompeo, a dizer que a Rússia tinha dado cabo dos planos. Ou melhor, tinham mesmo roído a corda: já havia um avião à espera de Nicolás Maduro para o levar para o exílio em Cuba. Mas os russos “convenceram” o líder bolivariano a ficar.
Esta conferência de imprensa é, no mínimo, bizarra. Sabia-se que um conjunto de países liderados pelos Estados Unidos estavam a fazer uma enorme pressão sobre o regime de Caracas para abandonar o poder e abrir caminho a que Juan Guaidó convocasse eleições livres. Também se sabia que a Rússia estaria a fazer a pressão contrária. No entanto, os EUA e os seus aliados pareciam estar em vantagem. Em circunstâncias normais, Guaidó não teria livre-trânsito para continuar a tentar derrubar o bolivarianismo. A pressão internacional – apesar dos discursos inflamados de Maduro – estava, pelo menos, a segurar o autoproclamado presidente.
Mas esta semana mostrou-nos que não é bem assim. Moscovo tem muito mais influência neste processo do que se poderia pensar à primeira vista. E, aparentemente, bastou uma intromissão para que os planos venezuelo-americanos fossem por água abaixo.
A Rússia negou, como nega sempre. Mas por muitas voltas que se deem, Washington passou por um dos mais embaraçosos momentos da sua história recente: parece ter deixado de ter influência suficiente para organizar aquela que é, há dois séculos, a sua área de influência. E é nestas questões que se mede a força e influência de uma grande potência.
Acerca deste assunto, as acusações de parte a parte sucederam-se e as negociações continuam. A Rússia parece dar mostras de estar a ceder – mas nos seus próprios termos. Não porque Moscovo tenha mais força que Washington. Mas porque sabemos que o regime de Putin tem levado as suas ameaças até às últimas consequências – usando a força militar se necessário – enquanto os Estados Unidos, apesar de terem garantido que iriam intervir se necessário, parecem estar cada vez mais reticentes em levar a sua coerção a cabo.
Mike Pompeo e Sergei Lavrov partem em breve para Helsínquia, onde terão uma longa conversa sobre a Venezuela. Para bem dos venezuelanos, deveria encontrar-se uma solução rapidamente. Maduro já não tem condições nem legitimidade para governar e a população precisa de um recomeço, o mais brevemente possível. Para que a catástrofe humanitária comece a retroceder.
Mas aconteça o que acontecer, uma coisa é certa: os Estados Unidos tiveram um grande revês no que respeita à autoridade que tinham no sistema internacional – por falta de vontade política ou por incapacidade. Para o caso tanto faz. E quando é assim, quando há um vazio de poder, não faltam candidatos para mandar no mundo. E a Rússia de Putin e a China de Xi Jinping estão na primeira fila para ocupar o lugar deixado vago.