Considerando que este será o meu último artigo quinzenal no Observador antes das eleições legislativas do próximo dia 30, optei por o dedicar a algumas reflexões no âmbito da matemática eleitoral. O primeiro dado a ter em conta diz respeito às condições para conseguir uma maioria absoluta. Com uma dispersão dos votos por um maior número de partidos e considerando as especificidades do sistema eleitoral português, é perfeitamente possível que um resultado (muito) pouco superior a 40% seja suficiente para conquistar uma maioria absoluta no dia 30.
Uma das pessoas mais qualificadas para fazer uma previsão é o responsável técnico do Centro de Estudos e Sondagens Políticas (CESOP) da Universidade Católica (disclaimer: fui director do CESOP entre 2017 e 2019), João António, que avança com uma estimativa reunindo duas condições: 41% e uma distância significativa entre o primeiro e o segundo partido.
Isto acontece pelas particularidades do sistema eleitoral português (em especial a dimensão dos diferentes círculos eleitorais) e pelos padrões previsíveis de distribuição dos votos (com base nos resultados de eleições anteriores e nas sondagens). De facto, importa ter em conta que o sistema português é genericamente proporcional mas também muito desigual: os dois maiores círculos (Lisboa e Porto) elegem 88 dos 230 deputados, ou seja: mais de 38% do total do Parlamento. Se juntarmos a estes dois os três círculos de maior dimensão a seguir a Lisboa e Porto – Braga, Setúbal e Aveiro – chegamos a um total de 141 dos 230 deputados. Por outras palavras, mais de 61% dos deputados são eleitos em apenas cinco círculos eleitorais, enquanto todos os restantes círculos combinados elegem apenas 39% dos deputados.
Estas diferenças de dimensão entre círculos implicam também que há um número significativo de distritos nos quais as possibilidades de outros partidos que não o PS ou PSD elegerem deputados são bastante mais reduzidas e dependem geralmente de uma forte votação nacional (como aconteceu com os quase 10% do BE em 2019) ou de fenómenos de excepcional implantação local (como é o caso historicamente do PCP em algumas zonas do Sul do país).
A previsível maior fragmentação do voto à direita (é quase certo que Chega e Iniciativa Liberal crescerão de forma substancial face a 2019) pode favorecer o PS mas está longe de ser certo que tal aconteça. Em primeiro lugar, porque é previsível que nos círculos eleitorais de menor dimensão o apelo do voto útil no PSD seja substancialmente superior e, assim, minimize o “desperdício” de votos à direita. Em segundo lugar, porque a disputa por votos à direita do PS não deve ser vista como um jogo de soma nula: existem certamente eleitores do CH, da IL e do CDS que não votariam PSD na ausência dessas alternativas e é provável que esses segmentos eleitorais tenham hoje alguma relevância. Assim, com voto útil nos círculos de menor dimensão e uma expansão do espaço eleitoral nos círculos maiores, é bem possível que a existência de quatro partidos com representação parlamentar à direita some em vez de subtrair. Vale a pena recordar também que em 2019 houve cinco partidos a conseguir representação parlamentar à esquerda (PS, CDU, BE, PAN e Livre) e essa fragmentação não impediu a esquerda de ser (claramente) maioritária.
Uma reflexão final sobre a matemática eleitoral dos partidos de menor dimensão. Dadas as particularidades do sistema eleitoral português, quanto maior a concentração dos votos dos partidos de menor dimensão nos maiores círculos, maior tenderá a ser o respectivo aproveitamento em termos de mandatos e maior também tenderá a ser a previsibilidade do respectivo resultado em termos de eleitos. Isto significa, por exemplo, que o facto de a IL ter o seu eleitorado mais concentrado nos grandes centros urbanos do litoral (com destaque para Lisboa e Porto) faz com que o objectivo de eleger cinco deputados possa ser obtido (ou mesmo superado) com um resultado nacional (relativamente) modesto se essa concentração for elevada. Já relativamente ao CH, caso se repita a maior dispersão territorial do voto verificada nas eleições presidenciais e nas autárquicas, a imprevisibilidade é máxima: tanto é possível que o CH eleja menos deputados do que a IL mesmo com uma votação nacional (ligeiramente) superior, como é possível que o CH eleja um grupo parlamentar de dimensão muito significativa caso a votação nacional atinja um patamar que permita converter em mandatos também os votos obtidos em círculos de dimensão média (à semelhança do que aconteceu com o BE em 2019). Dados a ter em conta no acompanhamento e leitura dos resultados do próximo dia 30.