Com Rui Rio e o PSD a saírem reforçados do processo de clarificação interna que o próprio Rio procurou inicialmente evitar e as sondagens mais recentes a indicarem uma tendência para o encurtamento da distância entre PS e PSD, é natural que volte a estar na ordem do dia a questão do voto útil. Sobre este tema, há vários aspectos a ter em conta, tanto à direita como à esquerda.

Em primeiro lugar, importa reconhecer que a possibilidade (hoje menos distante) de uma vitória do PSD nas legislativas do próximo dia 30 de Janeiro tenderá a favorecer alguma concentração de voto útil no partido liderado por Rui Rio. Isso poderá vir a ser especialmente problemático para o CDS, cujo eleitorado potencial terá em teoria menor resistência a votar no PSD, ainda para mais depois da estratégia de coligações generalizadas seguida nas recentes eleições autárquicas. O facto de haver hoje na quase totalidade dos círculos eleitorais poucas perspectivas de o CDS conseguir representação parlamentar (com a possível excepção de Lisboa, onde pelo menos Francisco Rodrigues dos Santos deverá conseguir ser eleito) pode acentuar essa transferência de voto útil para o PSD agravando ainda mais os problemas do CDS.

Relativamente à Iniciativa Liberal e ao Chega, ambos novos partidos em fase de crescimento, a situação é mais complexa. Por um lado, o perfil ideológico de Rui Rio e a estratégia que tem seguido de forma consistente desde que chegou à liderança do PSD – disputar o centro com o PS – parece deixar uma maior margem de crescimento tanto para o Chega como para a Iniciativa Liberal. No caso da IL, a vantagem do factor Rio é aumentada pelo facto de o líder do PSD se distanciar frequentemente de forma pública e notória do liberalismo, o que constitui um importante argumento para que a IL consiga reduzir o apelo do voto útil junto do seu eleitorado potencial. Também o facto de Rio admitir a possibilidade de entendimentos pós-eleitorais com o PS constitui um factor de mitigação do voto útil no PSD, já que tanto IL como Chega poderão razoavelmente argumentar junto do eleitorado que um voto no PSD não garante verdadeiramente o afastamento do PS do poder, podendo até ter o efeito contrário.

Relativamente ao Chega, não obstante as marcadas diferenças ideológicas e programáticas com o PSD, o perfil pessoal, com ocasionais traços populistas, de Rui Rio poderá ser atractivo para uma parte do eleitorado potencial de André Ventura (mais do que seria, muito provavelmente, o perfil mais intelectualizado de Paulo Rangel), favorecendo o voto útil no PSD e limitando o crescimento do Chega.

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No que diz respeito ao voto útil à esquerda, o PS enfrenta nestas eleições legislativas um desafio difícil mas com algumas oportunidades que poderá capitalizar a seu favor. O desgaste governativo de António Costa e do PS são claros e acresce que o líder do PS não é conhecido por ter habitualmente um bom desempenho em campanha. Não será fácil também para o PS agitar o papão do “neoliberalismo” e da  direita radical contra um PSD com um líder centrista e com um registo de posições progressistas em vários temas sociais. É por isso de esperar que a principal aposta de campanha do PS seja a gestão política da pandemia.

O PS terá no entanto também uma importante oportunidade de capitalizar a seu favor o colapso da geringonça apelando ao voto útil à sua esquerda e procurando recolher uma parte do eleitorado de BE, PCP e PAN. A mensagem será a esse respeito clara: depois do chumbo do orçamento e da crise política subsequente, a única maioria de esquerda com garantia de estabilidade é uma maioria do PS. Mas será crucial para o PS evitar a desmobilização do seu próprio eleitorado. Afinal, importa recordar que Carlos Moedas ganhou em Lisboa com pouco mais votos do que PSD e CDS haviam conseguido nas autárquicas de 2017. A inesperada derrota socialista resultou essencialmente de uma parte significativa do eleitorado socialista se ter recusado a votar em Medina, votando noutros partidos à esquerda ou simplesmente optando pela abstenção.

No próximo dia 30 de Janeiro, tanto à esquerda como à direita, muito dependerá das dinâmicas de mobilização que Costa e Rio consigam estabelecer. Os apelos ao voto útil serão certamente uma parte importante dessas estratégias de mobilização e deverão aparecer em crescendo até à data das eleições.