É surpreendente a teimosia com que Augusto Santos Silva, ministro português dos Negócios Estrangeiros, se recusa a esclarecer porque é que Portugal não está do lado da esmagadora maioria dos países da União Europeia e da NATO na crise diplomática com a Rússia.
Os argumentos invocados por ele são ainda mais surpreendentes. Na entrevista à SIC Notícias, o chefe da diplomacia portuguesa voltou a dar provas de equilibrismo e demagogia raros. Como será possível conjugar os apelos à prudência e à não precipitação, por um lado, e o diálogo político com a Rússia, por outro? Será que Augusto Santos Silva considera que as decisões de expulsão de diplomatas russos por parte da maioria dos países da NATO e da União Europeia são imprudentes e precipitadas? Que Portugal é o canal de diálogo privilegiado que resta para manter o diálogo com a Rússia?
Neste contexto, a chamada a Lisboa “para consultas” do embaixador português em Moscovo, Paulo Vizeu Pinheiro, parece não passar de mais uma manobra para adiar ou não realizar a expulsão de diplomatas russos no nosso país.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apoia a diplomacia do governo socialista, considerando que a chamada do embaixador de Portugal em Moscovo para consultas a Lisboa constitui “um aviso” e “uma decisão forte por parte do Estado português”. Do ponto de vista diplomático, isso é verdade, mas será que a decisão não chegou muito atrasada?
Se a maioria dos países aliados, antes de chamarem os seus embaixadores em Moscovo, convocaram os representantes diplomáticos russos para lhes informar que tinham de fazer regressar à Rússia parte dos funcionários das suas embaixadas, porque é que Portugal destoa da onda? O que espera o ministro Augusto Santos Silva ouvir da boca do nosso representante diplomático na capital russa? Que ele traga elementos novos que os numerosos países ocidentais que aprovaram esse tipo de represálias contra Vladimir Putin ainda desconhecem? Que o Kremlin ou o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia possam transmitir algo que ilibe os dirigentes russos.
É verdade que, até agora, Londres não tornou públicas provas que mostrem que Putin ou os seus homens estiveram por detrás da tentativa de assassinato do antigo espião russo e, se não o fizer, o governo britânico colocará os restantes países que se solidarizaram com ele numa situação muito delicada. A aposta de Teresa May é demasiadamente alta e perigosa, o que leva a pensar que ela não irá repetir o mesmo erro de George W. Bush aquando da decisão de invadir o Iraque em 2003. Isso seria uma excelente prenda para o Kremlin, poderia abrir caminho a novas aventuras de Putin no palco internacional.
Teria sido compreensível se Augusto Santos Silva dissesse que as provas apresentadas pela Grã-Bretanha contra a Rússia no caso do envenenamento do antigo agente russo Serguei Skrypal e da sua filha não foram convincentes ou suficientes para levar Portugal a expulsar diplomatas russos, mas ele mesmo afirmou na já citada entrevista que “em ambos os casos, Portugal participou e apoiou as decisões” [da UE e da NATO de expulsar diplomatas russos]. Em que ficamos?
Também não convence a tese que, com esta posição, Portugal poderá conseguir preferências no comércio externo russo. Além das trocas comerciais entre os dois países não serem grandes, outros parceiros da UE e da NATO com maiores interesses económicos nas relações bilaterais com Moscovo optaram por expulsar diplomatas russos. O governo da Alemanha, por exemplo, no dia a seguir ao anúncio da expulsão, assinou um documento que autoriza a construção de mais um gasoduto: o North Stream 2, entre o seu território e a Rússia através do Mar Báltico. E isto não obstante os protestos dos países bálticos e da Polónia.
Não aconselho a acreditar nas grandes promessas de investimento russo em Portugal, pois muito pouco se tem materializado. Recordo apenas a promessa, feita em Setembro de 2013, de construção de uma fábrica em Oleiros, no distrito de Castelo Branco, que, segundo José Marques, presidente desse município, iria fabricar “equipamentos de combate a incêndios, máquinas para obter poupança de energia em termos industriais e aparelhos para o tratamento de águas residuais”. Onde estão a fábrica e os 90 postos de trabalho prometidos? Para já não se falar do negócio ruinoso dos helicópteros russos de combate a incêndios Kamov.
O ministro português poderá estar a tentar agradar a todos os lados, incluindo os seus aliados da governação (Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda), mas os resultados não serão os melhores, pois é impossível estar-se sentado em duas ou mais cadeiras ao mesmo tempo.
A não ser que estamos perante uma combinação diplomática genial, cujos pormenores ainda não podem ser revelados. Vamos ficar à espera.