Desde que venceu as legislativas que Luís Montenegro se inspira em Aníbal Cavaco Silva. A ideia é esperar que suceda nesta legislatura algo semelhante ao que aconteceu em 1987. Assim, desde Março que Montenegro aguarda que o governo caia, na expectativa de que o eleitorado o recompense com uma vitória retumbante. O conceito do governo que compreende e resolve os problemas imediatos das pessoas surge com esse intuito.

Sucede que há uma diferença que salta à vista quando comparamos o primeiro governo de Cavaco Silva com este de Montenegro. É que se Cavaco se apresentou com uma visão, Montenegro limita-se a uma intenção. Cavaco lançou medidas para resolver problemas estruturais complicados e, por essa via, mostrar-se ao eleitorado como o único capaz de liderar um governo reformista. Já Montenegro contenta-se com jogadas tácticas na expectativa de que o tempo lhe resolva a sua incapacidade de governar.

Quando Cavaco Silva chegou à chefia do governo, Portugal suportava taxas de juros muito elevadas devido a uma inflação que rondava os 20% e a um défice das contas públicas que ultrapassava os 10% do PIB. Apesar de liderar um governo minoritário, Cavaco viu na vontade de resolver esses problemas que afectavam a economia uma oportunidade para se mostrar ao eleitorado. O objectivo passava por governar sem se importar de ser minoritário. Nesse sentido, apresentou alterações nas leis laborais e as Grandes Opções do Plano para o ano de 1987 foram decisivas para que o PRD avançasse com uma moção de censura. Confrontada com políticas com as quais discordava, a oposição de esquerda não se fez rogada, derrubou o governo e Cavaco Silva venceu as eleições com mais de 50% dos votos expressos.

O que Luís Montenegro está a fazer é bastante diferente porque não vai ao âmago dos problemas. Há mais de 20 anos que a economia está estagnada, devido ao elevado esforço fiscal que é exigido dos portugueses, à falta de capital disponível e a um ambiente (legislativo e regulamentar) que não é propício ao investimento. E o que faz Montenegro? Negoceia com corporações e sindicatos com vista a satisfazer as suas exigências remuneratórias e de progressão nas carreiras. Porquê? Para que não haja contestação social e as diferentes classes profissionais votem nele caso o governo caia entretanto.

No discurso no Pontal, Luís Montenegro afirmou que o seu governo não se limitava a tomar medidas menores. De seguida enunciou três: a descida do IRS e a eliminação do IMT para menores de 35 anos, um aumento de vagas nos cursos de medicina e a criação de um passe de 20 euros mensais para os comboios. Se a primeira é discriminatória e sem alcance de futuro, a segunda não tem em conta a incapacidade de certos hospitais receberem uma universidade de medicina. Mas a terceira é de todas a mais curiosa e surpreendente: a tentativa de convencer as pessoas a andarem em comboios que não funcionam, ou que não existem, só porque é barato é algo que nos recorda o pior do PS de António Costa e de Fernando Medina.

É sabido que os portugueses não gostam de sobressaltos. Séculos de paz neste rectângulo europeu (interrompidos, uma ou outra vez, por crises longe da gravidade e da violência que era costume nessa Europa e por esse mundo fora) forjaram um povo doce e sossegado. É ainda certo que, dos anos 80 para cá, cada vez mais portugueses dependem financeiramente do Estado e esse facto tolhe a sua liberdade de acção. Mas também é verdade que nos momentos cruciais não faltou unidade para resolver os dilemas de cada época, o que implicou a assunção da realidade por uma maioria da população que viu em certos líderes políticos a determinação pôr em prática as soluções necessárias. Sem irmos mais longe, e nos ficarmos na história mais recente, Mário Soares e Aníbal Cavaco Silva conseguiram-no. Não estão isentos de críticas. Ninguém está. Mas o país ficou melhor quando saíram do que estava quando entraram.

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