Mais que o início das aulas, o regresso da escola vai representar um segundo (e mais desafiante) desconfinamento.

Porque, “de repente”, haverá dois milhões de crianças que vão alterar o relativo isolamento social em que, desde Março, vinham a viver e passarão a interagir umas com as outras, de forma aberta, em contexto escolar.

Porque o ensino presencial, que vem sido reclamado (e bem!) pelos pais e pelos professores — e dado que as escolas não “esticaram” os metros quadrados que atribuem a cada turma (podendo o número de alunos, nalguns casos, chegar a 30) — passará a decorrer com o recurso a “pelo menos um metro de distância” entre alunos, em sala de aula, o que fará com que as crianças, mesmo com máscara e advertidas para os cuidados de saúde que devem ter, estejam demasiado próximas umas das outras, multiplicando (em muito) as probabilidades de risco de contaminação.

Porque o regresso às aulas se irá dar num contexto em que a relação entre trabalho presencial e teletrabalho dos seus pais estará mais “equilibrada”, o que faz com que, agora, não haja nem um quarto nem um terço dos alunos na escola. E que a tensão de todas as manhãs irá escalar; muito. Porque as horas no trânsito, o tempo para respeitar os procedimentos de entrega das crianças na escola (sobretudo, das mais pequeninas) e as próprias alterações climatéricas irão chocar com as recomendações preventivas que as escolas irão definir para o início do trabalho diário, o que vai ser um factor de “turbulência” para as crianças, para a escola e para a família, levando a que se “facilite” e se arrisque mais vezes.

Porque a contratação de (muitos) mais assistentes operacionais que consigam garantir as medidas de prevenção configuradas “no papel” tarda, e as escolas se vêm, uma vez mais, com a necessidade de pôr em prática medidas suplementares sem que sejam desbloqueados os recursos que o bom senso recomendaria que existissem, o que faz com que haja grandes diferenças entre aquilo que esperamos que aconteça e o que pode vir a acontecer.

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Porque a forma como as escolas estão a preparar-se para “poupar” inequivocamente nos tempos de recreio, em nome da protecção das crianças, nos volta a trazer uma fórmula do género: “recomenda-se que, para sua segurança, as crianças não sejam crianças”. Que terá consequências graves na dinâmica das aulas e no aproveitamento escolar. Não ficando muito claro a quem competirá a gestão desta versão confinada de recreios, por mais que a sua consequência se configure muito preocupante. Já não sendo possível o recurso ao ar livre que, tantas vezes, nestes últimos meses foi mais uma sala de aula para muitas crianças mais pequeninas.

E porque as crianças vão, como de costume, saltitar entre actividades curriculares, actividades extra-curriculares, lúdicas, desportivas, etc., circulando por vários grupos, o que fará  com que as probabilidades de multiplicarem várias vezes as suas interacções traga aumentos geométricos de riscos de contaminação consigo.

Logo, mesmo que o façam movidos por intenções generosas e não o repitam a torto e a direito, não façam com que se continue a presumir que, em relação ao próximo ano lectivo, “vai correr tudo bem”. Não vai! Não há como correr! E não se pressuponha, por favor, que tudo será uma catástrofe. Todos temos esperança que não seja assim! Mas irá haver, sem dúvida, muitos surtos localizados de covid, em contexto escolar. Em função deles, é claro que, temporariamente, muitas escolas terão de suspender a sua actividade lectiva presencial. Mas não está minimamente claro qual será o “plano B” ou o “plano C” das escolas, diante disto. Voltaremos (supõe-se), nesses interregnos, ao ensino à distância, por mais que seja preciso que se pergunte “Como?” e se cada aluno terá, dentro de um mês, um computador e meios digitais a que corresponda a essas necessidades. Não está, também, claro se os pais, mal isso suceda, terão meios e medidas sociais de protecção para acompanharem os seus filhos, porque se depreende que, regra geral, em função da sua idade e do risco que isso representa, os seus avós não o consigam fazer. E, o mais importante deste imenso imbróglio, digam-nos, por favor, o que se espera dos professores. Porque se o seu espírito de missão não se questiona, a sua idade e os factores de risco que possam ter não são aspectos que não nos preocupem e que não venham a trazer consigo muitas ausências forçadas e muitas dores de cabeça para nós, pais.

Acresce que, agora sim, depois de Março, os nossos filhos estão a regressar às aulas. E que os formatos generosos de transmissão de conhecimentos que se tentaram trazer para o seu dia a dia, durante a quarentena, abriram fracturas muito grandes no seu acesso acesso, legítimo, à escola. Na forma como “assimilaram” as matérias escolares e como entrarão neste ano lectivo com as maiores discrepâncias individuais entre  alunos com que a educação obrigatória, porventura, já conviveu. E, depois, há às metas educativas. E o mais com que se convive num ano escolar. E, no meio disto tudo, fica a ideia que o Estado — que tem nas mãos uma tarefa duma complexidade inacreditável — parece falar connosco como se todos tivéssemos “necessidades educativas especiais”. E não fôssemos clarividentes e equilibrados. E não aguentássemos a verdade a que temos direito. Por mais que, todos juntos, informados e comprometidos, ajudamos a revolver melhor!

Finalmente, que não se fale da chegada de uma vacina em Dezembro como se a sua chegada diminuísse todos os riscos, de forma imediata, e ela não nos merecesse reserva e os cuidados indispensáveis, num primeiro momento.

Ou seja, o próximo ano lectivo vai ser duro! Para nós. Para as escolas. E, naturalmente, para os nossos filhos. Diante de tudo isto, teremos toda informação, todos os cuidados e (desculpem!) todo o respeito que mereceríamos? Infelizmente, acho que não. Mas ainda estamos a tempo…