Muito mal está um País quando uma personalidade, por acaso com responsabilidades do mais elevado nível, entende que o melhor que tem para nos dizer sobre o seu pensamento político é que ouve o hino da CGTP quando se irrita. Sem desprimor para De Guyter, preferiria o mais moderno hino da URSS. Magnífico, imponente, belo e impressionante como quase toda a música sinfónica russa. Não acalma, mas revigora. Estou certo que o vigor musical ajudou muito a combater o frio dos desgraçados que eram regular e siberiamente deportados pelos grandes inspiradores da nossa extrema-esquerda, os esbirros a quem o hino da CGTP manteria igualmente calmos.

Como se leu, também não sou faccioso em matéria de canções nacionais. Todavia, não posso deixar de observar que, sem duvidar da importância dos gostos musicais, esperava mais factos e ideias de quem tem a incumbência de governar Portugal. A boa notícia é que, pelo menos para a música, Temido ”a irritada” não é surda. Pena que não oiça o resto.

Por exemplo, deveria ouvir com mais atenção e consequente denodo as queixas de utentes e profissionais que usam ou servem o SNS. Muito em especial dos que lá trabalham e daqueles que precisam do IPO de Lisboa, a mais antiga instituição dedicada ao tratamento do cancro em Portugal e uma das mais antigas da Europa.

Quando integrei os quadros do IPO, há já 26 anos, exibia-se, no átrio de acesso à administração, uma maqueta do que seria o novo edifício a erigir na Praça de Espanha. O tempo passou, nada aconteceu. Veio Sócrates “o imaginador” e inaugurou-se o projeto do novo IPO, com direito a tenda e cocktail, no Parque da Bela Vista. Depois, houve a rocambolesca cena da eventual ida para Oeiras, o regresso à Bela Vista e, finalmente, a amaragem na Praça de Espanha. Tudo na mesma. Eis que Medina “o construtor” lá veio dizer que o novo edifício do IPO na referida Praça seria estruturante para a imagem da renovada dita, a Praça. Tão estruturante que até vendeu, por uns milhões de Euros, a uma conhecida marca de supermercados, o talhão que albergava a antiga feira de barracões, à frente do IPO. A empresa, justamente, lá construirá a suas torres de escritórios para dificultar o acesso ao IPO e tapar a vista do edifício que seria emblemático e deveria “abraçar” a Praça. No meio de tudo isto houve dezenas de milhares de Euros, pagos para projetos e plantas, e inúmeras discussões sobre tudo e mais alguma coisa. Como é habitual, quando se discute tudo é para não fazer nada.

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Adianto-me já aos comentários de algum socialista mais robusto e admito que da minha passagem pelo Governo, em plena e assumida austeridade, “apenas” resultou o financiamento para várias obras e equipamentos (não foram poucos) – sendo que o dinheiro que transitou esteve depois retido por Centeno “o cativador” – e, muito importante, a entrega do edifício da escola de enfermagem, que passou da tutela do ensino superior para a da saúde. É neste edifício, o único acréscimo de edificado que ocorreu em mais de 40 anos, que agora estão a funcionar consultas, o serviço de apoio domiciliário e aulas. Não é coisa pouca e foi o possível antes de Costa “o prestidigitador” ter “virado a página da austeridade”.

Sucede que quase 4 anos depois dessa histórica viragem, a da página austera, ainda não há novo edifício do IPO, embora se anunciem mais umas indispensáveis ciclo vias e a habitual complicação do trânsito urbano a que Medina “o pretendente” nos quer destinar. Nem sequer surge no horizonte a possibilidade de Centeno “o constritor” libertar a verba para voltar a pagar aos arquitetos a revisão da planta de há 20 anos, necessariamente desactualizada, para os fins que agora se pretendem atribuir ao edifício de que o IPO continua a necessitar. Cada vez com maior urgência, já mesmo como emergência.

Com justiça e muita consideração pessoal e profissional devo reconhecer que o atual secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Dr. Francisco Ramos, fez sempre tudo o que era possível, quando secretário de Estado em governos anteriores e enquanto presidente do IPO, para que o novo edifício fosse construído. A ele, principalmente a ele, se devem as obras de remodelação que estão em curso nos blocos operatórios, a construção de uma nova unidade de transplantação de medula, o aproveitamento da escola de enfermagem, a reconfiguração do espaço de consultas que existia previamente e a aquisição de novos equipamentos diagnósticos. Bem hajam, o Dr. Francisco Ramos e os membros do atual e anteriores conselhos de administração que nunca desistiram do IPO, nem dos seus doentes.

É sintomático que em nenhum dos orçamentos de Estado, desde o de 2016, apareça qualquer menção à construção do imprescindível novo edifício do IPO de Lisboa. As necessidades dos doentes oncológicos não são prioridade para quem agora nos governa.

Vem tudo isto a propósito das notícias de que haveria um conjunto de doentes, em Faro, que teriam falecido por não terem sido tratados enquanto aguardavam uma análise. O atraso dever-se-ia à não existência de um termo de responsabilidade e a inexistência desse documento teria determinado a não realização atempada do exame. Em primeiro lugar, é altamente improvável que alguém possa morrer por falta de “uma análise”. Outros atrasos, se existiram, merecem ser estudados. Em segundo lugar, a necessidade de haver termo de responsabilidade é um elemento de boa prática e segurança clínica que não se esgota na emissão de uma garantia de pagamento. Em terceiro lugar, não seria a falta de garantia de pagamento que impediria a realização de uma análise que fosse mesmo urgente. O IPO de Lisboa é escrupuloso, seguro e eficiente.

Teria sido mais interessante colocar a questão se, em pleno século XXI, não existirão mecanismos informáticos e automáticos mais interessantes e eficientes de emitir termos de responsabilidade ou se o pagamento de atos clínicos, praticados dentro do SNS, não deveria ser centralmente assegurado pela ACSS, em vez de andarmos sempre num esquema complexo de encontros de contas e faturas. Com o regime existente, com controlo central das despesas e baseado em orçamentos insuficientes para as instituições, as dívidas dentro do SNS são enormes e impagáveis. O INSA e o IPST que o digam.

Mas esta questão das análises em atraso, injustamente imputada ao IPO de Lisboa, serviria também para que alguém aproveitasse a oportunidade para investigar os atrasos diagnósticos e de intervenção terapêutica por falta de exames radiológicos, as camas que se fecham por falta de enfermeiros, as camas e o espaço de hospital de dia que faltam e determinam atrasos em tratamentos com medicamentos citostáticos e imunoterápicos, os atrasos na abertura da nova unidade de transplantação de medula que deveria ter 12 camas e, por falta de pessoal de enfermagem, só vai ter 7 (as mesmas que já existem, insuficientes para uma lista de espera com mais de 60 doentes e a aumentar), os entraves à contratação de médicos que se cansam de esperar pelo desejado estipendio e vão para a concorrência privada, os exames que não se podem fazer por falta de anestesistas, os doentes que se “devolvem” a outros hospitais por incapacidade de seguimento global da pessoa doente, a falta de enfermeiros gestores de casos, a falta de monitores de estudos clínicos e a exiguidade das instalações destinadas à investigação clínica. Em suma, o espartilho que o Estado exerce sobre os Hospitais em geral e o enorme subfinanciamento do IPO de Lisboa que ainda é a principal referência oncológica na zona sul de Portugal. E o cancro não vai parar de crescer!

Apesar de todas as limitações que o IPO de Lisboa tem, graças aos seus profissionais de que não existe melhor em lado nenhum e ao esforço titânico de quem o dirige, não falta acesso a tratamentos inovadores (quando o INFARMED não nega a possibilidade de tratamentos a quem deles precisa, o que não é explicável por critérios clínicos racionais), nem se nega assistência aos muitos milhares de doentes que procuram o hospital de Palhavã, nem se regateia apoio aos Colegas que nos pedem ajuda, nem se ouvem lamentos ou ameaças de demissão em bloco.

O IPO de Lisboa, os seus doentes e quem deles cuida, precisam de quem os defenda. Há urgência em contratar pessoal para que a lista de espera, que existe e não é pequena, possa ser resolvida e, acima de tudo é fundamental que se construa o novo edifício já tantas vezes anunciado e se consiga fazer funcionar toda a capacidade instalada.

É tudo isto, são as inúmeras faltas que enunciei, que não podem ser escondidas e de que os administradores, por dever de lealdade e hombridade profissional, não se podem publicamente queixar, que merece ser analisado e solucionado.

Bom seria se a oposição se dedicasse a uma profunda avaliação do que falta no IPO de Lisboa e em toda a oncologia nacional, muitíssimo mais grave e significativo do que as faltas de termos de responsabilidade que nem merecem ser imputáveis à entidade recetora.

Melhor ainda se a nossa simpática, enérgica e indomável ministra da saúde se irritasse com a pobreza assistencial a que querem condenar os doentes do IPO de Lisboa. Irritada, talvez pudesse ligar a Centeno “o procrastinador” e lhe pedisse para ser menos Centeno “o europeu” e mais Centeno “o pródigo”. Marta, essa, em vez de “a internacionalista” poderia ensaiar o número de “a sensata”. Já nem seria mau de todo.

Ex-ministro da Saúde