À medida que a Rússia ganha terreno no Donbass, a guerra da Ucrânia foi transformada numa luta brutal de artilharia. O avanço russo é lento e custoso, incutindo perdas devastadoras nos dois lados do conflito. Por enquanto os russos têm superioridade militar em termos de alcance e poder de fogo da sua artilharia, vantagem que poderá ser perdida com o envio pelos EUA de sistemas de mísseis e pela Alemanha de um sistema avançado de defesa aérea e um radar de localização.
A guerra de atrito começou de verdade e não se vê fim à vista. Mas mais do que a realidade militar, é o endurecimento da opinião pública, principalmente na Ucrânia, mas também no Ocidente, que torna a negociação uma via por agora impossível de trilhar. A nova realidade imposta pela invasão de Putin e pela sua retórica e práticas genocidárias é a resolução de lhe resistir.
Na Ucrânia, este endurecimento é claramente relacionado com a construção nacional que a guerra despoletou. O cientista político Charles Tilly ficou famoso por afirmar que as nações se fazem na guerra e para a guerra. No século XXI o exemplo mais óbvio desta análise é o da Ucrânia, alimentado pelo imperialismo russo e liderado por Zelensky. O que os ucranianos resistem é elementar: a ameaça da extinção pelo colonialismo russo. No início de abril, ao mesmo tempo que procedia com os massacres de Bucha, a Rússia publicava na agência de imprensa oficial, a RIA Novosti, o programa para a aniquilação completa da nação ucraniana.
A mobilização geral dos ucranianos, independentemente da sua confissão religiosa ou língua materna, para a defesa da nação é difícil de compatibilizar com a negociação de perdas territoriais em troca da paz com Putin. Nesta guerra, a conexão entre o território e a nação tornou-se crescentemente importante para a luta anti-imperial contra Putin. Sinal disso foi o papel central que os “grupos de defesa territorial” ucranianos assumiram na resistência ao invasor. Estes grupos de cidadãos auto organizados, baseados na solidariedade das comunidades locais, corporizam o espírito nacional que se apoderou do povo ucraniano e mimetizaram grupos semelhantes que se criaram na Polónia durante a Segunda Guerra Mundial para resistir aos invasores nazis e soviéticos.
Muitos outros exemplos de fortes semelhanças com o processo da construção da nação ucraniana se encontram para além da Polónia na região. Na Europa Central e Oriental é, pois, fácil reconhecer o processo de construção nacional tardio da Ucrânia como algo muito familiar. Vários dos fatores que alimentam a mobilização nacional ucraniana, como a resistência ao imperialismo russo, a necessidade de construir um Estado em condições adversas, a importância da religião, e a competição intensa com outras nacionalidades, estiveram também presentes na história recente destes países. Deste reconhecimento nasce uma solidariedade e cumplicidade, como a que já liga a Ucrânia à Polónia, mas que se estende à maioria dos países da região. A sobrevivência do novo membro da família das nações eslavas tornou-se assim num motor da recomposição da Europa Central e Oriental e da sua transformação numa entidade dinâmica na União Europeia. A Ucrânia terá nela o seu lugar.