Não deixar ninguém para trás é o soundbite mais repetido quando se fala dos planos de recuperação e resiliência da Europa, intrinsecamente ligados às questões ambientais. No entanto, do soundbite à realidade pode ir, e vai, um longo caminho.
A Indústria da Alimentação Animal tem vindo a alertar para uma situação que se está a intensificar: o agravamento dos preços das matérias-primas agrícolas, sobretudo milho, trigo e soja, que acontece em simultâneo com as crescentes exigências ambientais à produção agroalimentar. Temos vindo também a referir que receamos a intensidade e velocidade do cumprimento das metas do Green Deal e não a sua natureza.
O Índice de Preços da Alimentação da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, regista um aumento pelo nono mês consecutivo, atingindo uma média de 116 pontos, o nível mais alto desde julho de 2014. Contribuem para esta tendência e afetam diretamente a produção portuguesa de alimentação animal o aumento do preço das oleaginosas e de cereais, matérias-primas que registam, segundo a avaliação da mesma entidade, uma subida de 42,3% face ao período homólogo em janeiro de 2020 impulsionada pela forte procura da China. Além da China, Estados Unidos da América, Brasil, Índia e Rússia concentram grande parte dos stocks mundiais de cereais, alguns estão a reter e limitar exportações, o que pode comprometer o abastecimento generalizado, dada a dependência de alguns países de matérias-primas importadas, como é o caso de Portugal.
De momento, a indústria da alimentação animal está a acolher, através de reservas próprias e outras soluções, que não raras vezes implicam endividamento, o aumento dos preços das matérias-primas, mas quando chegar o momento de o fazer refletir integralmente no preço das rações, o que irá acontecer? Os produtores pecuários conseguirão acolher o aumento sem consequências para as suas empresas? Refleti-lo-ão no preço dos produtos vendidos? Terão os consumidores capacidade para adquirir alimentação a preços mais altos no atual contexto em que nos encontramos?
Mais um alerta não é demais: a intensidade da implementação da agenda europeia na agricultura sustentável, sem o adequado nível de apoios às empresas, pode agravar a situação, sobretudo numa economia como a portuguesa.
A sustentabilidade não é um caminho novo para os produtores de rações. Formalmente, foi iniciado pela sua Federação Europeia (FEFAC) há, pelo menos, 15 anos ainda o slogan “Do Prado ao Prato” significava rastreabilidade, a necessária para dar resposta ao problema de saúde pública criado pela BSE. Depois, apostou-se numa estratégia proativa e de autorregulação. Fruto desses esforços, as estimativas apontam, por exemplo, para que 78% da soja utilizada na Europa seja proveniente de zonas com baixo risco de desflorestação. Em Portugal, com claros benefícios para a economia e para o ambiente, apostamos, por exemplo, no desenvolvimento de matérias-primas sustentáveis e alternativas às importadas, bem como em soluções nutricionais inovadoras, como acontece no CoLAB FeedInov que necessita, e que terá, meio milhão de euros para operar, só no primeiro ano de atividade.
O caminho para a sustentabilidade não é novo, mas no contexto que vivemos é claramente mais exigente.
Portugal, que lidera atualmente os destinos da União tem o dever de encurtar o caminho que vai do soundbite à realidade. Se tal não acontecer, não conseguiremos suportar a alta do preço das matérias-primas, os aumentos dos custos gerais de produção inerentes às metas ambientais, e a jusante, produtores pecuários e consumidores dificilmente o farão. Com a pandemia, já percebemos que nada é garantido. Nem a Alimentação. Sem apoios às empresas, multiplicar-se-ão “as refinarias de Matosinhos” e, infelizmente, alguém ficará para trás. Merecemos mais e, certamente, melhor!