Num estudo, no qual colaborei, realizado com 645 participantes (alumni da AESE – Business School), foi colocada a seguinte questão: No último ano, pensou seriamente em sair da sua empresa? Cerca de 40% dos inquiridos responderam que “sim”, desejavam sair dos seus atuais empregos.

O número de indivíduos insatisfeitos com o seu trabalho é enorme e, ao contrário do que se possa inicialmente pensar, as principais razões deste descontentamento não são de ordem remuneratória (esta surge apenas na 5ª posição). Neste caso,  os motivos identificados para justificar a vontade de abandonar o atual emprego foram, por ordem decrescente: chefia tóxica, cultura empresarial tóxica, falta de perspetivas de carreira e falta de reconhecimento.

Curiosamente, estas são razões que envolvem relações humanas e aspetos emocionais de reconhecimento do valor pessoal na relação com as instituições empregadoras. Nos últimos anos, devido às constantes reestruturações das empresas, ao recurso ao outsourcing, à transição digital e à crescente utilização da inteligência artificial no atendimento aos clientes, foram realizados vários despedimentos (por exemplo, no setor bancário, em empresas tecnológicas, etc.). Os recursos humanos são vistos cada vez mais como uma peça de uma engrenagem que pode ser substituída a qualquer momento, se isso reduzir os custos operacionais, melhorar a eficiência e a competitividade.

A tensão entre trabalhadores e empregadores tem vindo a aumentar. As exigências são cada vez maiores, forçando as pessoas a aceitar condições laborais injustas. Muitas vezes, estas situações não são denunciadas e são vividas em sofrimento, num silêncio individual, por receio de retaliações ou de despedimentos. “Vou-me queixar a quem? A minha chefia está a trabalhar nas mesmas condições ou talvez até piores”. Este é um lamento que, como psiquiatra, escuto muitas vezes. Observa-se uma desmoralização crescente e uma perda de confiança, iniciando-se a destruição das relações interpessoais no local de trabalho.

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A pressão, o excesso de trabalho e o stress dentro das empresas, para se alcançar resultados e objetivos, estão a destruir as relações humanas. Os seres humanos são biologicamente programados para se conectar com outras pessoas de forma emocional. A existência de relações interpessoais fortes nas empresas sempre foi um fator de sucesso de desenvolvimento e de produtividade. A desumanização traz apenas desmotivação, presentismo laboral e diminuição de produtividade. Manter relações saudáveis no local de trabalho é crucial não só para o sucesso organizacional, mas também para o bem-estar mental dos colaboradores.

Os indivíduos que partilham o risco em conjunto estabelecem ligações fortes. Ninguém coloca em risco a sua vida por uma empresa, mas é possível colocá-la em risco por um companheiro. É isso que acontece na vida militar: criam-se laços fortes entre as pessoas, através da lealdade e camaradagem, reforçando o  sentimento de pertença a um grupo e o sentido de missão. Portanto, as empresas parecem estar a desfazer a relação entre os colaboradores, arruinando o seu maior valor: o capital humano.

Na mente da maioria das pessoas prevalece uma ideia simples: “Se eu for um trabalhador leal e produtivo, a empresa irá respeitar-me e reconhecerá o meu trabalho”. Mas os CEOs estão a pensar de outra forma: “Se para tornar a minha empresa mais competitiva, produtiva e obter mais lucro for necessário reduzir postos de trabalho, cortar nos prémios, congelar carreiras, aumentar o trabalho e criar mais pressão  nos colaboradores, não hesitarei em fazê-lo”. Isto pode ter alguma eficácia a curto prazo, mas a longo prazo a empresa tornar-se-á tóxica e haverá uma taxa de retenção de quadros baixa (taxa de atrito elevada), originando  absentismo laboral. Talvez seja isso que esteja a acontecer com a Tesla na Alemanha. Esta companhia  apresenta uma taxa de absentismo de 15%. Este valor é quase o triplo da média da restante indústria automóvel alemã (5,2%).

A famosa frase proferida por Michael Corleone no filme O Padrinho (1972), “It’s not personal, it’s strictly business”, resume a mudança de paradigma que está a ocorrer nas empresas, na sua relação com os trabalhadores. Mas convém recordar que não se estabelece apenas um contrato legal de trabalho com a empresa, pois existe também um contrato psicológico de lealdade. Por isso, quando ocorre uma injustiça connosco no trabalho, não são negócios, é pessoal, pois os sentimentos são sempre pessoais.