Sentindo-se acusado por algo que não tinha cometido, por algo que rejeitava face aos valores que são os seus, clama inocência.

Logo alguém vocifera que se não foi ele foi o pai dele. Ele reclama então que não pode ser responsável por algo que aconteceu antes sequer de ter nascido, mas que ainda assim tem a certeza que não foi o pai dele. Dizem-lhe então que não sendo um ou outro, terá sido o pai do pai, o seu avô.

Perplexo, sem saber o que dizer, balbucia que não pode saber se aconteceu o que aconteceu, mas se aconteceu o que dizem ter acontecido – e há provas a sustentá-lo – como pode ele ser hoje responsabilizado, pagar por algo pelo qual não sente senão repulsa? E como ter a certeza que foi o seu avô?

Não sendo ele, foi alguém da vossa família antes dele, ouve em resposta. Mas, questiona-se a si mesmo, como posso ser culpado por uma injustiça cometida num passado longínquo sem que isso se torne hoje numa injustiça, agora em relação a mim? Como ressarcir alguém – e que alguém é esse, já agora? – por ações que não foram as minhas? Ou como ter a certeza se foi mesmo um meu antepassado direto a cometer tais atos?

Foram vocês enquanto povo, grita alguém ao fundo. Mas, pensa ele sem ousar dizer, como podemos ser culpados por uma ação que nem sequer era condenável na época em questão? Ou será que vão condenar todas as ações do passado, condenar toda a injustiça cometida ao longo dos séculos em função dos padrões morais dos dias hoje? Será que toda a História terá de ser reavaliada e uns e outros vão agora ter de pagar o passado com retroativos? E será todo o lado e com todos os povos? Vão, por exemplo, pagar também as inúmeras injustiças cometidas às mulheres de todo o mundo ao longo de séculos?

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És culpado! Tu e todos os teus! Ouve bem perto de si. E pensa então de si para si que só alteramos a memória do passado, as injustiças e os ressentimentos, assumindo que sim, aconteceu, embora isso não nos liberte deles nem do passado, por mais horroroso que tenha sido. E convence-se que apenas com o perdão podemos criar uma nova memória do que aconteceu, uma mais aceitável e que nos permita olhar o futuro de outra maneira, diluindo ressentimentos e sentimentos de culpa.

Se assim pudesse ser, que se deixe a História com tudo o que de bom foi feito, com todo o mal cometido, e passemos a construir o futuro com a aprendizagem do passado, evitando repetir injustiças ou criar novas injustiças .

Não, não sou culpado, disse por fim.