Não havia um morto que simbolizasse todos os milhões de mortos, uma casa em ruínas que ilustrasse toda a devastação… A Europa, toda ela, estava destruída física e moralmente no fim da II Guerra Mundial.

Acabar com os motivos que levaram à guerra mobilizou os dirigentes de então, e a ideia de um projecto em nome da paz começou a dar os primeiros passos. Em nome dela, da paz, criou-se a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço em 1950, a primeira de uma série de instituições supranacionais que deram origem à presente União Europeia.

Com a reconciliação de inimigos históricos através do bem comum, da justiça social e da igualdade democrática sobre o autoritarismo, reconstruiu-se assim aos poucos um continente. De lá para cá muito mudou: história acelerou-se e os desafios passaram a ser outros… Pelo meio, o projecto europeu enfrentou várias crises: alargamento apressado após o colapso da URSS, vagas de migrantes, receios sobre as dívidas soberanas, a imposição da austeridade, uma pandemia… Houve grandes momentos de esperança e vários outros de ressentimento, mas o ideal prevaleceu e teimou-se em continuar a construir os andaimes deste edifício coletivo assente em liberdade e pensamento crítico. Mas a que faltou sempre uma identidade política comum – se é que ela é alguma vez possível – dispersos que estamos ainda em identidades nacionais tradicionais.

A União Europeia tem-se frequentemente perdido nos interesses específicos de uns e de outros, nos laços culturais e históricos que não largam uns e outros. Por via disso, quase nunca foi capaz de estar à altura do seu peso económico, porque nunca foi verdadeiramente capaz de o traduzir em peso político e falar assim a uma só voz na cena internacional.

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No entanto, temos as mesmas raízes, e não importa se estamos em Estocolmo ou em Lisboa, somos mais do que um quadro jurídico e um mercado comum. Somos também uma história comum de valores e cultura: desde a própria ideia de democracia na Grécia Antiga até Roma e ao estabelecimento da lei escrita; das universidades da Idade Média ao Renascimento; da Europa das Luzes e das noções de liberdade e de direitos humanos à presente União Europeia.

A guerra na Ucrânia voltou a lembrar um sentimento de “pertença” face a um Vladimir Putin e o que ele representa como regime, ditadura disfarçada. Mas não apenas.

A União está perante a ameaça de uma China cada vez mais poderosa e o medo de uma relação transatlântica mais tumultuosa se Donald Trump regressar à Casa Branca. E dificilmente poderemos, sozinhos na lógica do cada um por si, enfrentar todos os problemas globais que temos diante de nós, a começar pelas alterações climáticas e suas consequências, ou uma nova crise financeira, sanitária, ecológica ou migratória. Há grandes desafios transnacionais, e nenhum Estado pode resolver os problemas dentro das suas fronteiras. É pouco dizer do que se espera das eleições europeias de junho. Saibamos, por isso, debater, discutir e escolher a União Europeia que queremos.