O domingo das autárquicas está à porta e eu estou certa de que todos temos a sensação de que a história se repete. Repetem-se os dias de campanha, repetem-se as promessas, repetem-se as pessoas e repete-se a abstenção, claro. Enfim, repetimo-nos porque, ao que parece, não temos nada de novo para dizer.

Uma abstenção de 45% – dados das eleições autárquicas de 2017 – é assustadoramente revelador. Não teremos nós mesmo mais nada para dizer? Andamos profundamente entretidos, consciente ou inconscientemente, a achar que a sociedade é uma coisa e que os políticos são outra, ou a achar que Portugal é uma coisa e que o mundo é outra. Esta lógica de pensamento descompromete-nos imensamente e individualiza egoisticamente a nossa existência. Será tão pior quem nos governa quanto menos envolvida e comprometida for a sociedade. É aqui que reside a nossa responsabilidade.

Ao contrário do que se costuma dizer, não acredito que façamos parte das gerações melhor informadas, mais qualificadas, mais participativas, mais reivindicativas, mais capazes. Não somos, não podemos ser quando atingimos recordes históricos de indiferença. E só quando nos depararmos com esta nossa fraqueza é que nos sentiremos interpelados a fazer diferente. Até lá, vamos dormir eternamente à sombra da bananeira, que é como quem diz, vamos fingir que não é nada connosco e nem nos damos ao trabalho de sair de casa no domingo para ir votar.

Estamos desacreditados: estamos. Temos razões para isso: temos. Estamos cansados que desgovernem as nossas vidas: estamos muitíssimo. Mas pensemos que aquilo que condenamos, veementemente, é reflexo daquilo que estamos a construir enquanto sociedade: indiferença total para com os assuntos dos outros, desrespeito por realidades alheias, desvalorização do esforço de quem verdadeiramente trabalha e se empenha, desgoverno para com a vida comunitária. É desta nossa sociedade que surgem os políticos que nos têm desgovernado nos últimos anos e sacudir a água do capote é para quem não se compromete com nada, é para quem acha que o resultado do jogo não depende da sua prestação.

A nossa vida é demasiado relevante para acharmos que não temos nada a dizer. Lembremo-nos disto quando domingo chegar e acharmos que a indiferença e a preguiça podem falar mais alto. Temos de participar, ousar na escolha, arriscar por vezes, mas, acima de tudo, ter a profunda consciência de que isto realmente importa.

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