Aconteceu esta semana, numa daquelas conferências de imprensa da hora de almoço em que o Ministério da Saúde e a Direcção Geral de Saúde actualizam a contabilidade do vírus. Nesse dia não estavam presentes a ministra e a directora, cujo desnorte e cuja incompetência não as colocaram no olho da rua e sim, dado vivermos em Portugal, nas capas da imprensa, a título de heroínas da crise. Estavam os substitutos: um sujeito grisalho convencido de que ser secretário de Estado é um cargo de prestígio, e, pela DGS, um rapazito que diz “póssamos” e “fáçamos”. Foi o rapazito que falou, e que disse “permitir” jantares entre familiares e amigos. Tal e qual. O rapazito, que apesar de iletrado é magnânimo, “permite” que jantemos, embora não “nos moldes que fazíamos antigamente” [sic]. Nenhum repórter se espantou. É pena, porque tamanha arrogância é espantosa.

Não houve momento que resumisse tão bem a prepotência das “autoridades” nesta história da Covid. Quer dizer, a prepotência abundou desde o início do “combate” (desculpem), mas a permissão (condicionada) dos jantares merece medalha. O rapazito, que não domina os rudimentos da própria língua e integra uma instituição especializada em passear a própria inutilidade, acha-se no direito de tomar decisões acerca da nossa privacidade. Estranhei não incluir orientações acerca da ementa. Sendo extraordinário, é pelos vistos a regra em vigor: o ínfimo dr. Costa e os seus ínfimos subordinados julgam mandar em nós.

O ínfimo dr. Costa e os seus ínfimos subordinados julgam-se habilitados a decidir quando devemos ficar em casa, quem é livre de se reunir, que áreas podemos percorrer e sob quais condições, que comércios reabrem e em que circunstâncias, que parafernália utilizar e onde, etc. E depois a arbitrariedade escorre por aí abaixo, por grémios corporativos, “organismos” regionais, autarquias, polícias, “telejornais” e cidadãos oficiosamente investidos no cargo de “bufos”, todos a apontar a “lei”, o cassetete ou o dedinho aos cidadãos que se limitam a tratar das respectivas vidas.

É verdade, e é triste, que os cidadãos autónomos, responsáveis e com vida são aqui uma minoria. A vasta maioria dos portugueses acolheu com notável facilidade a prepotência. Mais do que a acolheu, aplaudiu-a e alimentou-a. À semelhança do médico de “Aeroplano”, que continuava a incentivar os pilotos horas após a aterragem e o esvaziamento do avião, uma enorme quantidade de gente relativamente jovem continua enclausurada na sala de estar, a alertar em pânico para um risco que já se sabe reduzido e que não será menor nos anos que aí vêm. Para essa gente, o zelo vigilante peca por insuficiente, e a legitimidade das “autoridades” para criar um estado policial é absoluta. De resto, é natural que assim seja, não é?

Não. A autoridade (sem aspas) decorre da legitimidade. Pelo glorioso desempenho na história da Covid, as “autoridades” (com aspas) não possuem sombra de legitimidade. Os espécimes que decretam normas diárias a fim de regulamentar e restringir o nosso comportamento são aqueles demonstraram um formidável desnorte logo na recepção do vírus, que aconselharam visitas a lares de velhos, que proclamaram o esplendor de um SNS que permite a morte de milhares de pacientes para salvaguardar umas dúzias em cuidados intensivos, que recomendaram o abastecimento em “hortas de amigos” por troca com o supermercado, que proibiram e sugeriram e proibiram repetidamente o uso de máscaras enquanto não descobriram socialistas que as fabricassem, que distribuem a realização de testes médicos a compinchas do partido, que fecharam concelhos às pessoas e abriram aos camaradinhas as portas de “Abril” e do 1º de Maio, que cancelaram festivais de Verão e ponderam a excepção do “Avante!”, que transformaram a gestão anedótica de um problema num “milagre” para consumo de pacóvios, que aproveitaram a docilidade dos nativos para pisá-los com redobrada força, que rebentaram escusadamente a economia e negaram com insolência a chegada da austeridade, que supõem que os negócios particulares sobrevivem aos caprichos de parasitas, que nem por um instante abandonaram a propaganda para reparar nas multidões a caminho de uma miséria sem nome, que driblam a Sagrada Constituição em prol da perpetuação do abuso, que mentem e mentem e voltam a mentir até ao ponto em que a mentira deixa de ser necessária face a uma população sob anestesia. Estes espécimes, meus caros, que nos intervalos da Covid fingem não recordar que despejaram outros 850 milhões nos compadres do Novo Banco, não têm legitimidade para mandar em vocês. Mas muitos portugueses são suficientemente infantis para obedecer-lhes.

Eu não estou para isso. Do senhor Costa (o prof. Marcelo já não conta) ao senhor agente da PSP, passando pelos directorzinhos, os secretariozinhos, os autarcazinhos e restantes bonequinhos do “serviço público”, as leis, directivas e conselhos dessa gente sobre a “pandemia” não me dizem respeito – e não respeito essa gente. Há dois meses que preservo a minha rotina da histeria em redor. Não me “confinei”. Viajei pelos locais que quis sempre que quis. Visitei quem me apeteceu e a quem apeteceu receber-me. Estive com as pessoas que estimo, incluindo, com a aprovação dela, uma mãe de 75 anos. Jantei regularmente acompanhado (veja lá, ó sr. Póssamos). Usei máscara apenas para ir ao dentista. Fui ao dentista. Fui a cafés que me serviram à mesa (bandidos!). Não fui a restaurantes por sumiço destes. Não fui ao barbeiro por não ter cabelo. Não contaminei ninguém. Ninguém me contaminou. Sou hipocondríaco e, adoptado algum bom senso, nunca tive medo do vírus. Tenho medo dos que têm medo, e que por medo abdicam da responsabilidade e se entregam nas mãos de cínicos ou, na melhor das hipóteses, incapazes. Esses que cumpram ordens e se mantenham em casa ou onde os mandarem ficar: de qualquer modo e em qualquer lugar, são prisioneiros. E gostam.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR