Há uma semana, Obama ainda não tinha planos. Agora, já tem: depois do Iraque, é a vez de atacar o ISIS na Síria; entretanto, também haverá mais sanções contra a Rússia de Putin. Este regresso às campanhas militares no Médio Oriente e aos grandes conflitos de influência na Europa suscitou, ainda para mais em ano de centenário da I Guerra Mundial, as fatais comparações com a história do século XX. Estamos todos a deslizar, sem o saber, para um conflito geral, como aconteceu em 1914? São as potências ocidentais suficientemente firmes com os seus inimigos, como não foram em 1939? Há a possibilidade de o nosso mundo acabar — não talvez com o “inverno nuclear” temido durante a Guerra Fria, mas pelo menos no sentido em que nos dizem que acabou o mundo de “Downton Abbey” em 1914?

Estas perguntas sugerem uma coisa: talvez a história do século XX não seja a melhor introdução ao século XXI. Estudamos história com a expectativa de que nos ajude a interpretar o presente. Mas isso depende de estudarmos a história certa. E para as guerras do século XXI, a história do século XX, o último século de hegemonia mundial das potências europeias e das suas ideologias, pode não ser essa história.

A crença oitocentista no “progresso” levou os ocidentais a ver a guerra como o resquício maligno de uma fase primitiva da humanidade, destinado a desaparecer com a globalização da ciência, do comércio e da democracia. Foi isso que inspirou Norman Angell para, em 1910, negar Clausewitz e declarar a guerra impossível. No século XX, quando as potências tiveram fazer a guerra, todas a conceberam de um modo apocalíptico: cada guerra foi sempre a última guerra, a guerra definitiva, depois da qual a humanidade ascenderia à paz eterna. A I Guerra Mundial foi a guerra para acabar com a guerra. A II Guerra Mundial terminou num tribunal, que consagrou a ideia da guerra como o novo fruto proibido: a partir daí, só “intervenções humanitárias” legalizadas pela ONU. A Guerra Fria, finalmente, ligou o conflito militar ao fim do mundo, através do armamento atómico. A mais pequena operação militar passou a ser concebida como um Armagedão.

Esta evolução impede-nos hoje de perceber como, antes do século XX, a guerra foi pensada e praticada como um recurso normal da política — horrível, sem dúvida, mas não necessariamente apocalíptico. E desse ponto de vista, talvez o eco do noticiário de hoje fosse menos tremendo. As manobras ucranianas de Putin não teriam espantado nenhum estadista do século XVIII: o destino das grandes potências, ou de quem se imaginava como uma grande potência, era competir por influência no mapa. As recorrentes violências do Médio Oriente pareceriam típicas de uma região cheia de nações, tribos e seitas a disputar território, como na Europa há uns séculos atrás: à secretária de um professor universitário ocidental, tudo devia culminar numa festa de tolerância; no terreno, entre comunidades desconfiadas e líderes ambiciosos, o teste das armas é infelizmente, mas muitas vezes a maneira mais exacta e consensual de estabelecer posições.

Nenhuma campanha militar acabará alguma vez com as disputas de influência dos grandes Estados, nem com os choques das comunidades em que a humanidade gosta de se dividir. Depois de Putin, outro líder russo procurará rever as fronteiras desenhadas no momento do colapso soviético. Depois do ISIS, outra seita tentará realizar violentamente outras profecias. Nenhuma guerra será a última. Para um Ocidente envelhecido, endividado e humanitário, pode não ser a perspectiva mais conveniente. Mas é assim.

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