Quando li a biografia da cantora brasileira Elza Soares, que segue na ativa até hoje com 81 anos e foi casada com Garrincha, um dos maiores ídolos do futebol brasileiro, li uma coisa que nunca mais esqueci. O autor afirmava que a geração de Elza e Garrincha (que, se não tivesse morrido aos 50 anos, hoje teria seus 85) foi a última geração a fazer música e a jogar futebol por paixão. A partir daí, ambas as coisas viraram negócio, deixando de ser arte.

De fato, quando olhamos para essa Copa do Mundo, percebemos que há pouco (quase nenhum) espaço para improviso, instinto ou arte. Tudo é absolutamente profissional, direcionado e previamente estipulado. Também, pudera, tantos patrocinadores gigantescos, tantas câmeras precisas, tanto dinheiro envolvido. Ninguém está ali para qualquer tipo de brincadeira.

Os jogadores tornaram-se máquinas. Treinos quase militares, suplementos alimentares, disciplina rigorosa, comportamento inspecionado. Pensar na seleção brasileira de 94, em Romário e Bebeto, sua indisciplina e seus excessos, é algo quase surreal 24 anos depois. O futebol está ficando chato? Talvez. A qualidade é melhor, mas certamente é um esporte muito pouco humano.

A seleção brasileira cai perante a Bélgica de Lukaku e tantos outros homens imensos e decididos. De quem é a culpa? Gabriel Jesus e sua incapacidade de decidir? Tite e o tempo que levou para mudar o time? Fernandinho e sua falta de solidez? Casemiro e seus dois cartões amarelos? Ou Neymar, pura e simplesmente? Podemos culpar alguém?

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Neymar, no meio de um Mundial sério e nada aberto a gracejos e fintas, parece não estar na mesma disputa que os demais. O “menino Ney” é sempre perdoado por sua suposta imaturidade, mesmo que já mais perto dos 30 do que dos 20 anos de idade. Neymar nunca passa despercebido, seja onde for. Causa incômodo, causa furor, causa discussões. Cai no chão, rola, chora, briga, provoca. Destoa de quase todo o resto dos jogadores de 2018.

Ninguém se ilude, pensando que Neymar é um resquício de futebol arte em vez de ser o auge do futebol business. Mas, inegavelmente, Neymar é mais humano e menos máquina do que a média dos grandes jogadores. Menos máquina do que Cristiano Ronaldo, Griezmann, Kane ou Toni Kroos. E é provável que seja exatamente por isso ele nunca vá ser o melhor do mundo.

A humanidade, que tem seu lado positivo por devolver ao futebol um pouco da vida que foi perdida em tempos de VAR, acabou custando muito caro ao Brasil. As quedas, encenações e exageros fizeram, por exemplo, com que Miguel Layún, ao pisar propositalmente no atacante, não fosse expulso do jogo. A fama de simulação instituída por Neymar espalhou-se por todo o time, a ponto do árbitro sérvio não marcar o pênalti claro em cima de Gabriel Jesus no segundo tempo do jogo contra a Bélgica, que poderia ter mantido o Brasil na Copa.

Podemos culpar o Neymar pela queda do Brasil? Não exclusivamente. Mas é evidente que a falta de maturidade do menino-que-já não-é-mais-menino teve um preço alto para toda uma nação      que precisava dessa alegria mais do que nunca. É craque? É. É humano? É. É inconsequente? É. E agora vamos de volta para casa. Temos um país para tentar reerguer.