Ninjas Covid, já tinham ouvido falar? Conhecem alguém que conheça? Eu não, até ao dia em que dei de caras com um no espaço do campus onde dou aulas. Comecei por tropeçar nesse, mas afinal eram vários e todos tinham capa, espada e lenços atados à volta da cabeça. Nas carapaças lia-se Ninja Covid. Só.

Estávamos nos primeiros dias de aulas de uma rentrée há muito esperada e confesso que, ao início, não prestei grande atenção àqueles rapazes vestidos de ninja que apareciam em todas as esquinas e corredores, mas depois de os ver atuar, percebi rapidamente a eficácia da iniciativa.

Incisivos e (in)vestidos de uma autoridade aparentemente universal, os Ninjas Covid dispersaram todo e qualquer ajuntamento, desfizeram todo e qualquer aglomerado de pessoas mais ou menos distraídas, que pareciam ignorar as regras de distanciamento social.

Com gestos urgentes e sentido de humor, esgrimiam a sua inofensiva espada no ar, fazendo com que os visados tomassem imediata consciência de que estavam próximos demais. Na verdade, todos sem exceção respeitaram sempre os Ninjas Covid, afastando-se ao primeiro sinal. A super eficácia desta iniciativa, que observei com os meus próprios olhos, faz-me escrever para o caso de alguém a querer replicar, ou adaptar, noutras escolas e organizações.

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A ideia de convocar ninjas voluntários surgiu no comité de crise da universidade, criado logo no início do confinamento para alinhar estratégias de regresso ao campus, tendo como propósito fazer cumprir as regras de distanciamento e protocolos sanitários sem recorrer a atitudes autoritárias. Mantendo um espírito leve, de brincadeira, os Ninjas Covid foram muito bem sucedidos.

Nesta lógica e porque as coisas não vão melhorar tão cedo, muito pelo contrário, parece-me que o exercício de cidadania que podemos testar, validar, valorizar e treinar com todos os alunos, professores, diretores e funcionários ligados ao ensino passa por nos voluntariarmos para nos ajudarmos mutuamente a cumprir o que é preciso cumprir nesta fase.

Todos conhecemos casos mais ou menos bizarros de soluções de distanciamento social. Espantei-me com o relato de uma jovem de 16 anos, quando me contou que ela e todos os seus colegas eram obrigados a permanecer na sala de aula durante cinco horas seguidas. Entram nessa espécie de tupperware com tampa ao toque das 13h30 e saem de lá no toque das 18h30. Podem ir uma vez à casa de banho, desde que acompanhados e devidamente escoltados. Depois voltam e ali ficam fechados, como que trancados, a ter uma sucessão de aulas dadas por professores tão ou mais exaustos do que os alunos.

Escusado será dizer, que estas cinco horas de sevícias diárias são vividas com máscaras, algumas delas razoavelmente asfixiantes e outras de higiene duvidosa, pois nestas idades (em todas as idades!) as máscaras são enfiadas em bolsos, mochilas e carteiras, onde se misturam com telemóveis e todo o tipo de objetos de uso externo, para não falar da facilidade com que são pousadas em superfícies que ninguém pode garantir que foram prévia e devidamente desinfetadas. As próprias máscaras, raramente são lavadas as vezes necessárias para se manterem Covid free.

Muito já se escreveu sobre métodos excêntricos de manter as distâncias e está mais que visto que há gente muito estranha a decidir sobre o que fazer em situações particularmente sensíveis, que tocam pessoas extremamente vulneráveis. Um dos piores casos foi o tristemente célebre isolamento das crianças e jovens retirados às famílias, a quem era imposto uma quarentena desumana, mas, infelizmente, não foi caso único.

Passar todos os dias cinco horas seguidas na mesma sala de aulas, num espaço pouco arejado e artificialmente iluminado, também parece desumano e é, seguramente, um método irracional. Com que cabeça é que estes jovens ouvem os professores e assimilam as matérias? Custa-me acreditar que esta seja a única solução possível e custa-me ainda mais admitir que seja segura.

Sabemos que o coronavírus destrói muita coisa e deixa sequelas em órgãos vitais, mas desconhecíamos que também tem poder para afetar a massa cinzenta de quem é chamado a pensar estratégias seguras para evitar o contágio. E, no entanto, é o que parece estar a acontecer, sempre que somos confrontados com o impacto de decisões castigadoras, punitivas e irrealistas.

Neste sentido, e porque o bom senso não abunda, volto aos Ninjas Covid por ser uma iniciativa eficaz e inclusiva. Não isola, não acusa, não culpa nem discrimina. Com a cumplicidade dos visados, todos acertam o passo e afinam as distâncias para todos ficarmos mais protegidos. E se esta estratégia resulta, porque não envolver outras comunidades educativas e fazer dos alunos e professores voluntários desta causa? Os personagens podem variar porque a imaginação não tem limites e o importante é agirem na altura certa, com a atitude correta.

Aposto que nenhum aluno resistiria à visão de um professor mascarado de ninja, ou de outro personagem qualquer, e só o riso que esta situação provocaria, já faria toda a diferença num tempo erosivo, aflitivo e já muito dramático para tanta gente, que passou a viver uma realidade que, essa sim, ultrapassa qualquer ficção.