Desde a pandemia, quando a desinformação online sobre a covid-19 chegou a atingir proporções inauditas, que estamos expostos a «fake news». O fenómeno é tão extenso que abrange os meios políticos, sociais e até comerciais, pois aí as mentiras são de tal modo engendradas e propagadas, que de tanto repetidas, acabam por se tornar verdades, alterando desse modo os níveis de perceção das pessoas e, por isso, difíceis de identificar. «Fake news», é um termo que, em tradução literal do inglês, mais não significa do que noticias falsas, muitas das quais, por definição, são ofensivas, de mau gosto e eticamente reprováveis.

Mas, pergunto, as notícias falsas são puníveis? Será crime criar mentiras e espalhá-las aos quatro ventos?

Mentir só por mentir não é punível. O próprio processo penal não exige ao arguido que fale verdade. Ele pode defender-se falando verdade ou mentira, mas não existe no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir. A regra é sempre o dever de verdade. Contudo, o arguido pode, como exceção, mentir quantas vezes quiser, mudar o seu depoimento quantas vezes lhe apetecer e remeter-se ao silêncio quantas vezes lhe aprouver. Se a mentira fosse crime, estariam em causa os princípios da aplicação da lei criminal e o da liberdade de expressão, consagrados nos artigos 29.º e 37.º da Constituição.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos defende a matriz «que embora sejam muito injustas as palavras declaradas, estas merecem, em primeiro lugar, a proteção dada pelo direito à liberdade de expressão». Porém, consequências penais podem resultar da difusão de notícias falsas quando as mesmas são usadas, direta ou indiretamente, para promover o ódio, hostilidades, descriminações e violências contra as pessoas ou contra um grupo de pessoas por razões de raça, cor, etnia, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica. Falamos, por conseguinte, de crimes de ódio, puníveis com pena de prisão de seis meses a cinco anos.

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A intimidade e a vida privada têm de ser preservadas, e expor nas redes sociais segredos da intimidade de outrem, seja a respeito da sua saúde, vida familiar ou sexual, a fim de menosprezar a sua dignidade e de semear o seu descrédito, constitui crime de devassa da vida privada, punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.

Em caso de conflito entre a liberdade de expressão e outros direitos constitucionais como, por exemplo, o direito à honra, à dignidade, ao bom nome, as notícias falsas que contenham mensagens ofensivas da integridade moral de cada um são igualmente puníveis, após uma adequada ponderação dos bens jurídicos em causa, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa não inferior a 180 dias.

Mas as notícias falsas são também utilizadas na atividade comercial para publicitar qualidades que não existem em muitos dos produtos postos à venda. Refiro-me, em concreto, à divulgação de propriedades curativas de determinadas substâncias, sem qualquer base científica, por vezes apresentadas como eficazes na terapia da impotência masculina, quando não mesmo no tratamento do próprio cancro. Em casos assim, ou de semelhante jaez, estamos perante um crime de burla punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Seja em que contexto for, há notícias falsas para todos e que só servem para enganar, confundir, desinformar, induzir em erro, manipular decisões pessoais, e inclusive desprestigiar ou enaltecer este ou aquele indivíduo ou mesmo esta ou aquela instituição.

O universo digital abriu igualmente as portas à comunicação política e militar, à desinformação, ao engano. Por isso não é de estranhar a campanha de propaganda de guerra a que assistimos diariamente em solo ucraniano, onde a Federação da Rússia, Estados Unidos da América e União Europeia vão criando factos verdadeiros ou falsos, publicando imagens desfocadas ou nítidas, declarando ódios ou negando conversações secretas, enfim, tudo fazendo para esconder um conflito que é, embora diferente dos anteriores, obviamente mundial.

Enfim, citando Voltaire: «Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei com a minha vida o seu direito de dizê-la».