A actualidade continua a não nos faltar com pequenos factos luminosos. O último foi este: em escola de Lisboa, uma “criança nepalesa de 9 anos” teria sido “linchada” por colegas da sua idade, ébrios de “xenofobia e racismo”. Foi sobre isto que, durante um dia, o país que comenta foi exortado a indignar-se. Mas ainda o campeonato de retórica virtuosa ia a meio, e houve dúvidas. Primeiro, sobre o “linchamento”; a seguir, sobre os supostos autores; e finalmente, sobre a “criança nepalesa de 9 anos”. De repente, o país comentador pressentiu que talvez nada tivesse existido: nem linchamento, nem criança. Perguntar-me-ão: e esse país, de indignação tão pronta, não se indignou outra vez com a falsidade da notícia? Não, não se indignou. Calou-se. Passou à frente. Porquê? Porque esta notícia falsa foi uma ocasião para exalar superioridade moral contra a “xenofobia” e o “racismo”. Como tal, foi uma boa notícia falsa. Serviço público, como dizem os entusiastas.

Que sugere esta história? Que há na sociedade portuguesa, como no resto do Ocidente, uma máquina de inventar racismo, em que muita gente está ansiosa por meter a sua moeda. Se preferirem, acreditem que é apenas uma excentricidade da época. Mas não. Faz parte da luta política. Nos últimos anos, a esquerda que se diz centrista abriu-se à influência da extrema-esquerda, e facilitou-lhe a entrada nas instituições. Um dos resultados foi a globalização do movimento woke americano, de que os esquerdistas são os mais zelosos empresários. Desse movimento, é parte esta tentativa de aproveitar as migrações para levar as sociedades ocidentais a imaginarem que são como o sul dos EUA em 1930, no auge da segregação racial. Qualquer incidente com um imigrante é logo diagnosticado como “racista”. E quando não há incidentes, inventam-se, seguindo a velha regra do jornalista anti-clerical de Eça de Queiroz. Foi o que vimos.

A propósito de migrações, todos queremos acreditar na “integração” dos migrantes. Ora, nada mais contrário a isso do que esta indústria de suposto “anti-racismo” que vive de linchamentos que não aconteceram e de crianças que não existem. Eis o que, com notícias como as da escola de Lisboa, diz aos imigrantes: “Cuidado, vocês chegaram a Portugal, o país mais racista do mundo, onde até há um Ku Klux Klan infantil que organiza linchamentos de crianças estrangeiras nas escolas”.

Não sorriam. Ou antes: sorriam, mas percebam que isto é a sério. Não há nada que a extrema-esquerda mais receie do que ver os imigrantes integrarem-se nas sociedades ocidentais, como se integrou a velha “classe operária”. Deseja vê-los confinados em guetos, inseguros e desconfiados, e assim disponíveis para a guerra santa contra o capitalismo e a democracia liberal. Porque o “racismo”, como os doutores da extrema-esquerda ensinam, é um efeito do capitalismo e do liberalismo, e só desaparecerá quando Portugal for uma radiosa Coreia do Norte.

Andámos, a respeito deste e de outros assuntos, demasiado ocupados com a “extrema-direita”. Quase nos convenceram de que só aí havia perigos. Não é assim. Enquanto olhávamos todos para o balão “populista”, a extrema-esquerda instalou-se nas instituições e, através do movimento woke, alargou a sua influência até onde não costumava chegar, como as grandes empresas. Não se “moderou”: continua tão inconformada como em 1917 com a economia de mercado e com o pluralismo político. Os problemas sociais só lhe importam na medida em que os possa transformar em princípios de guerra civil. É isso que tenta fazer com as migrações. A equanimidade com que são recebidas notícias falsas sobre episódios de racismo dá ideia do que já conseguiu. Estejam preocupados.

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