Se perguntar a um cidadão de Coimbra, onde é que ele achava que se deveria construir o novo aeroporto de Lisboa, se calhar ele diria: olhe, para o mim o que dava mais jeito, era que fosse construído em Coimbra. No entanto, se perguntar a um cidadão de Lisboa onde deve ser construído o aeroporto de Lisboa, o mais provável é dizer, que lhe conviria mais que fosse em Lisboa. A capital, ao que consta, até já possuiu um aeroporto internacional na Portela, um aeródromo em Tires e quatro bases aéreas em Sintra, Ota, Montijo e Alverca. Portanto, dependendo do tamanho da aeronave, por aqui há muito onde aterrar. No entanto, curiosamente, também parece que nenhuma destas estruturas afinal serve no presente, nem servirá para o futuro e será necessário encontrar um outro local para o novo aeroporto de Lisboa (em sigla NAL).

Mas tudo indica que o cidadão de Coimbra e o de Lisboa vão ficar insatisfeitos, porque afinal, o novo aeroporto de Lisboa não vai ser construído em Coimbra, nem em Lisboa. Só que ainda não se decidiu onde. A nenhuma situação como a do novo aeroporto de Lisboa se aplicou tão bem um célebre poema de José Régio, de tal modo que nem era má ideia que a nova Comissão que vai estudar para enésima vez o que outras vinte comissões e governos já estudaram nos últimos 50 anos, se chamasse em homenagem ao escritor “Comissão não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí”.

O “sei que não vou por aí” parece ser: Portela, que não possuiu problema de acessos, mas falta de espaço e danos ambientais; Tires e Sintra, o mesmo; Ota, problemas de terraplanagens, custos exagerados; Alverca, necessidade de grandes aterros no Tejo; Montijo, aves, problemas ambientais, subida das águas, etc. Com excepção dos problemas ambientais – um dado replicável em centenas de locais – tudo o mais não seriam problemas que a engenharia portuguesa não resolva, ou não se teria ampliado o “inviável” aeroporto da Madeira, nem se teria construído o aeroporto de Macau, onde, então aí, nem terreno existia…

Para além dos problemas irresolúveis do “sei que não vou por aí”, ainda existe um outro pressuposto que é a existência de dinheiro para a obra e para as infraestruturas de acesso. Diz-se que haverá dinheiro para o fazer. Aqui o assunto é mais simples. Dinheiro nacional não há. A prova está no facto de, em qualquer requalificação de um mero jardim público numa vila portuguesa, não faltar o cartaz de financiamento pelo Portugal 2020, pelo FEDER ou similar. Já se sabe, portanto que, para construir um aeroporto, o custo será assegurado através de uma contribuição comunitária, com algum investimento privado, certamente estrangeiro e de bom retorno para o investidor. Algo como a Lusoponte ou as subconcessões rodoviárias do Governo Sócrates. Em última análise, se isto se complicar, resolveremos o problema do financiamento com a mais famosa e utilizada expressão portuguesa: “logo se vê”.

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Assente a necessidade de um novo aeroporto em Lisboa e o dinheiro para o executar, falta escolher o local. É a parte do “não sei para onde vou”. Para tentar superar a angústia de José Régio virá aí mais um estudo, privilégio que o escritor não teve quando escreveu o poema em 1926, pois se lhe oferecessem tantos estudos, talvez soubesse para onde ir.

Em todo o caso, quanto ao “não sei para onde vou”, talvez não fosse desadequado esclarecer se o que ainda estamos a falar é de um novo aeroporto de Lisboa, o tal NAL, ou de um aeroporto que também pode servir Lisboa. São aeroportos diferentes.

Santarém pode ser um excelente local para fazer um aeroporto. Provavelmente quase todo o Ribatejo que não fique regularmente alagado pelo rio, o será. Mas esse local ainda se poderá designar por aeroporto de Lisboa ou antes será o Aeroporto do Vale do Tejo? Alcochete também possui, ao que se diz, todas as condições, mas essa infraestrutura não será realmente o Aeroporto da Margem Sul? Aeroporto de Lisboa é que não se afigura realmente que sejam, a não ser que o centro de Lisboa seja, no futuro próximo, a Azambuja ou o Seixal, sem ofensa para tais excelentes vilas.

Assumindo que Portugal, com o território actual, é uma nação com cerca de 800 anos e a aviação comercial tem menos de 100 anos, demorar 50 anos só para escolher a localização de um aeroporto, ou seja 6% do nosso tempo colectivo de existência histórica ou metade da existência da própria aviação, temos de convir que é razoável, não é?