O Observador publicou um artigo em resposta a um outro que eu tinha escrito sobre o papel da União Europeia e que se intitulava “Nunca mais aprendemos”. Esse artigo é a resposta da comissária política Elisa Ferreira feito por interposta pessoa, IAC (Isabel, Assessora de Comunicação).

Uma resposta por interposta pessoa não é uma atitude muito curial. Apesar disso, vou fazer alguns comentários e prometo aos leitores que serão mais curtos, e espero, mais interessantes, do que os da comissária (por interposta IAC).

1 Ao longo do seu artigo Elisa Ferreira (por IAC) refere que “a Comissão não defende os seus interesses próprios, mas os interesses gerais da União …”.

Esta frase faz-me lembrar o “interesse geral” defendido por Rousseau, que na sua visão contratualista dizia que cada indivíduo alienava apenas a parte da sua liberdade no que se refere à comunidade, mas que era a comunidade que deveria decidir qual é a parte da liberdade de que ele deveria prescindir. Em termos práticos, admitia Rousseau, todos os direitos do individuo pertencem à comunidade.

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Este é também o real significado da defesa dos interesses gerais por parte da Comissão Europeia (CE). Uma vez na posse do poder, é ela que dispõe de todos os direitos instalando uma prática federalista. Isto é extremamente grave porque a CE não tem qualquer legitimidade democrática.

E o perigo deste poder é a cristalização do centralismo “democrático”, ilustrado pela tentativa de aprovar uma constituição europeia à socapa, pelas campanhas políticas dos comissários (o sr. Moscovici era pródigo), pela tentativa de impor políticas aos países ou até pela recente aceitação da censura chinesa na publicação de um artigo de jornal.

E é também neste âmbito que a CE vê o Covid-19 como uma oportunidade para duplicar o seu orçamento (e os impostos pagos pelos povos da UE): o reforço do centralismo “democrático”.

2 No artigo de Elisa Ferreira (via IAC) predomina o tom laudatório ao mercado único. Nada a opor. A UE existe porque alguns povos da Europa assim o querem, e tem dois fins principais: o mercado único gerador de riqueza e a promoção da Democracia como forma de garantir a paz.

O problema é que o funcionamento do mercado único está cada vez mais em risco por culpa da CE. Primeiro, porque abusa do “level playing field” desde 1992 para forçar a total harmonização legislativa entre países (a fiscal ainda não conseguiu, mas está quase). Mas uma das fontes de comércio é precisamente a especialização que aproveita as diferentes características dos países. Por isso esta fobia harmonizadora não só aumenta os encargos das empresas como é prejudicial para as trocas comerciais.

Mas há uma segunda razão: é a implementação de uma estratégia industrial tipo “chinesa” através dos Projectos Europeus de Interesse Comum, que reforçam as “ligações” perigosas entre comissários políticos e empresas (a sua lógica também é “rousseauniana”, apesar dos interesses serem “comuns” e não “gerais”). Estes projectos são comandados pela CE, que envolve os países para legitimar a sua liderança (uma prática generalizada em Bruxelas).

Em termos legais a política industrial é da responsabilidade dos países e a CE apenas pode complementá-la. Mas como a definição de PEIC é muito ambígua, é a própria CE que decide sobre a natureza dos projectos e se os respectivos apoios são compatíveis com o mercado interno, pelo que é também a própria CE quem de facto controla todo o processo de decisão.

Os fundos que se anunciam para o combate ao Covid-19 vão ser usados para este fim, permitindo a países como França, Itália ou Espanha fortalecer as suas grandes empresas conciliando subsídios nacionais com fundos europeus, tudo validado pela CE como estando dentro das regras do mercado único. Os países pequenos como Portugal, com poucas empresas grandes, serão prejudicados.

Por isso a preocupação de Elisa Ferreira (por IAC) pela salvaguarda da concorrência só me pode fazer rir, uma vez que é a própria CE que a coloca em causa quando despreza o Princípio da Subsidiariedade, que é a última barreira para a afirmação do seu poder. De acordo com aquele princípio, a CE deve justificar toda a legislação centralizadora. Mas nem precisa de o fazer. Se houver dúvidas, sabemos que o Tribunal de Justiça da UE vai optar por uma visão federalista.

3 Os omnipresentes elogios do Mercado Único da comissária Elisa Ferreira (pela IAC) contrastam clamorosamente, e estranhamente, com a ausência de referências à moeda única. Se calhar é porque os resultados para Portugal não são brilhantes, uma vez que com ela “caímos num poço” de que não temos meios para sair.

Mas é precisamente neste âmbito (sob a teoria das Zonas Monetárias Óptimas) que é referida a necessidade de os países participantes numa união monetária terem estruturas produtivas diversificadas e similares, para que os efeitos de um choque assimétrico sejam menores.

Ignoro se Elisa Ferreira (sob IAC) associa as duas coisas. Mas uma das razões por que a união monetária funciona mal é precisamente os países serem economicamente diferentes. E entre países diferentes não há choques simétricos. Seria como dizer que os efeitos do vento num edifício ou numa caixa de papelão são os mesmos.

4 Porque o artigo já vai longo termino referindo apenas que os meus receios relativamente à UE são muito mais do que os fundos que andámos alegremente a desperdiçar ao longo dos últimos 33 anos ou a irresponsabilidade que nos levou à moeda única ou à pré-bancarrota em 2011 (se bem que também sejam muito preocupantes).

O que me preocupa é que uma UE estagnada e a sua política de coesão apenas “disfarçam” a necessidade de Portugal realizar as reformas que nos fariam crescer e desenvolver. Deixámos a exclusividade da política africana no Estado Novo para nos “enfiarmos” na exclusividade da política da UE no estado democrático.

E os últimos 20 anos mostram que o país todo se está a transformar num enorme Alentejo dentro da UE (eu sou alentejano), que vive cada vez mais dependente de subsídios e do Estado. Há quem goste. Eu prezo muito a minha liberdade e não gosto de viver de esmolas.

Está a chegar a hora de a UE se renovar e de abandonar as utopias federalistas e o centralismo “democrático” que asfixiam os povos.

Nunca é tarde demais para aprender. Mas passaram quase 36 anos e em Portugal ainda não aprendemos.

O texto reflecte apenas a opinião do autor